Quase todo mundo se apaixona uma vez na vida por um objeto colecionável. Pedras, caixinhas, latas e botões enchem prateleiras e gavetas até se cristalizar em coleções de verdade ou ir parar no lixo. A designer de moda e artista plástica Vera Souto, 48 anos, também se deixa seduzir por essa tralha miúda e fascinante, mas o destino que dá a seus pequenos achados faz dela, em vez de uma simples colecionadora, uma autora singular. No ano passado, Vera começou a acomodar seus objetos em caixas de madeira de cerca de 20 cm x 20 cm, combinando-os por tema – erotismo, superstições, energia etc. – e por afinidade estética. As caixas, cada uma diferente da outra, são objetos de mesa, um misto de brinquedo com objeto de arte, tão expressivo quanto telas e tão narrativas quanto textos. A caixa do Homem é um conjunto de referências maliciosas a clichês do universo masculino, entre elas a embalagem de papelão azul da Gillette e um inevitável cortador de unhas Trim. A caixa Magia abriga pauzinhos de canela amarrados como se fossem a lenha dos gnomos, um cristal, pimentinhas vermelhas (estimulantes do desejo), vela de sete cores e fitas do Senhor do Bonfim. A Afrodisíaca contém minúsculos vidros com essências, do mercado Ver-o-peso, em Belém do Pará, que prometem aumentar a atração sexual e prender os amantes, uma imagem de Santo Antonio Casado e patuá com olho de boto, entre outros talismãs. As caixas de Vera já foram comparadas aos trabalhos do artista americano Joseph Cornell. Mas, tanto no repertório, escandalosamente brasileiro, quanto no estilo, seu caminho é único.

Como estilista, Vera teve uma griffe que ficou famosa em São Paulo nos anos 70, a Armazém. Por dois anos, ela foi editora de moda de uma revista feminina e, quando cansou da moda, experimentou atividades como cultivar horta e organizar festas. Mas, com os objetos que colhe em suas constantes viagens pelo Brasil ou por locais exóticos, como Bali, a Patagônia ou as Montanhas Rochosas, e sentindo falta de uma atividade criativa, ela acabou descobrindo que as caixas eram uma linguagem. "Em meus outros trabalhos sempre me escondi muito nas parcerias. É a primeira vez que assumo sozinha uma criação", comemora. O sucesso foi imediato. Hoje ela vende sua produção, por preços que variam de R$ 60 a R$ 300, em seis lojas de São Paulo, entre elas a do Museu de Arte Moderna e a marcenaria de Ethel Carmona.