O primeiro papel que Mateus Solano encarou na vida foi o de um abajur, em uma peça infantil, aos 4 anos de idade. Não exigiu muito esforço. “Eu ficava lá no palco, paradinho”, lembra ele. Mas foi amor à primeira vista. Jovem, seu sonho de sucesso era morar perto de teatros, “como o Carlos Gomes e o João Caetano, na praça Tiradentes, no centro do Rio de Janeiro”, para poder ensaiar muito. A televisão nunca foi seu alvo, mas foi por intermédio dela que conquistou a crítica e seduziu o grande público. Sua interpretação de Félix, o arrebatador vilão da novela “Amor à Vida”, da Rede Globo, levou o ator de 32 anos a ser reconhecido como um dos melhores de sua geração e a ser escolhido por ISTOÉ como “Brasileiro do Ano em Televisão”.

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INÍCIO DIFÍCIL
Em 2000, Solano mandou fitas de testes para a Rede Globo,
mas não foi aprovado. Só anos depois ganhou uma chance e
se destacou ao interpretar Ronaldo Bôscoli na minissérie "Maysa"

Bonito e com 1,90 de altura, Solano tem todo o perfil de galã – papel que ele desempenhou na novela “Viver a Vida” (2009), quando fez os gêmeos Miguel e Jorge. Félix, no entanto, foge do padrão dramatúrgico por ser um protagonista vilão gay, dono de um humor afiado e capaz de crueldades inimagináveis. Ele admite que estava um pouco preso no início da novela, até que o diretor Wolf Maya mandou a senha: “Tira essa bicha do armário, se diverte!”. Solano obedeceu. “Foi fundamental para eu me libertar do lugar sombrio que estava me impondo, quase eliminando as piadas do personagem. Faltava brincar mais”, reconhece. Para o autor Walcyr Carrasco, Solano está indo além das expectativas. “Ele está fazendo muito melhor do que eu escrevi.”

Ele admite que estava um pouco preso no início da novela, até que
o diretor Wolf Maya lhe disse: “Tira essa bicha do armário,  se diverte!”

O nome de Solano já está sendo disputado por autores para próximos trabalhos na Rede Globo, mas nem sempre foi assim. “Vou te contar uma história”, diz ele. “O primeiro vídeo que mandei para avaliação na emissora, em 2000, sequer chegou a entrar no cadastro para testes, porque não foi aprovado.” Anos depois, ele fez um novo vídeo e foi chamado para participações especiais. Chamou a atenção mesmo ao interpretar Ronaldo Bôscoli, na minissérie “Maysa”, em 2009, e quando fez o Mundinho, de “Gabriela”, em 2011.

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FAMÍLIA
Casamento em 2011 com Paula Braun, com quem tem uma filha, Flora,
de 3 anos, e abaixo com os irmãos, Gabriel e Mariana (ele está atrás)

Em 2014, Solano prepara-se para brilhar em outros palcos. No cinema, onde ainda é novato, estará nos filmes “Confia em Mim”, com direção de Michel Tikmonoff, e “O Menino do Espelho”, baseado em livro de Fernando Sabino, e está cotado para encarnar Erasmo Carlos na telona. “Esse convite não me foi feito ainda, mas já vi entrevistas do Erasmo falando que gostou da ideia, e achei um barato”, revela. No teatro, irá estrear “Do Tamanho do Mundo”, escrito por sua mulher, a atriz Paula Braun, em São Paulo, a partir de abril. A peça já passou por cinco cidades. Na capital paulista, finalmente terá patrocínio. O ator não lamenta as vacas magras das outras montagens. “Foi muito bom que tenha acontecido assim, de eu ter que bancar do meu próprio bolso, porque percebi que cheguei a um lugar muito bacana, que é conseguir levar o público da tevê para o teatro e pagar o teatro com esse público.” Solano acha que falta investimento na formação de público teatral, e o motivo não é o propalado preço alto dos ingressos. “O (Antonio) Fagundes fala sempre isso: o cara viaja do Nordeste para São Paulo e paga R$ 300 para assistir a uma luta de MMA. Ele optou, entendeu?”

O aumento de poder aquisitivo da população não significa aumento de plateia, segundo ele. “As pessoas têm, hoje, acesso à tevê de LED, mas o que muda entre a anterior e essa é a qualidade da imagem, porque o conteúdo ainda precisa acompanhar um público que, apesar de ter dinheiro agora, não teve incentivo educacional para se enriquecer culturalmente”, diz. “Falta educação para mostrar que uma boa peça e um bom livro valem mais do que mil imagens prontas”, complementa.

Solano é seguido por 60 mil no Twitter, mas não tem Facebook. Ele não quer
ser escravo da tecnologia. “Rola uma vida paralela que não estou disposto a viver”

De origem judaica por parte de mãe, Mateus Solano Schenker Carneiro da Cunha nasceu em Brasília, mas viveu lá apenas os primeiros meses de vida. O pai, João, diplomata, foi transferido para Washington, nos Estados Unidos, e, depois, para Lisboa, em Portugal – onde os pais se separaram. Aos 4 anos, ele, a mãe, a psicóloga Míriam, e o irmão caçula, Gabriel, voltaram para o Brasil e se fixaram no Rio de Janeiro, onde o ator mora até hoje. E a família aumentou: ganhou a irmã Mariana, filha de seu pai com a segunda mulher, Lídia, e o padrasto, Jorge, a quem atribui “importante papel” em sua formação. Hoje o ator tem sua própria família. Desde 2008, ele e Paula vivem juntos – a união foi oficializada em 2011 em uma cerimônia pequena – e são pais de Flora, de 3 anos.

A rotina atribulada de gravações nessa reta final da novela faz as 24 horas do dia parecerem pouco para Solano. O tempo que sobra é precioso. Ele prefere se entregar a um bom livro a se dispersar com a internet. Não tem página no Facebook (embora existam criações falsas, abarrotadas de “amigos”) e usa o Twitter, onde tem mais de 60 mil seguidores, com parcimônia. No Instagram, posta fotos da filha somente para a família e amigos. “E já me sinto um pouco escravo”, afirma. “Não quero entrar nesse mundo paralelo que engole o tempo. Tecnologia é o tipo de coisa que afasta a gente, não aproxima. A partir de um ponto, rola uma vida paralela que não estou disposto a viver.” Atualmente, ele lê a série “Game of Thrones”. “Um épico maravilhoso de sete livros, cada um tem 700, 900 páginas, e eu estou doido para ler todos. Literatura me alimenta como ser humano e como ator.”

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RELIGIÃO
Solano (à frente) com o irmão Gabriel e o rabino Nilton Bonder
na cerimônia do Bar-mitzvah. A família de sua mãe é judia

Recentemente, Solano acha que perdeu uma grande chance de se alimentar como cidadão. “Fiquei muito chateado por não ter participado das manifestações devido ao trabalho. Queria muito botar minha cara lá, ver que a histórica inércia do brasileiro está sendo vencida”, diz. O consolo era pensar que estava fazendo algo muito importante, uma vez que Félix aborda o preconceito, a liberdade individual e a hipocrisia. “Quando a Edith (Bárbara Paz) conta que o Félix é gay, na verdade quem sai do armário não é ele, e sim todas as pessoas que estão em volta, que colocavam um tapa-olho para não ver ou fingir que não viam uma sexualidade que estava ali, voando em purpurina na frente deles”, diz Solano. “Eu falava para mim mesmo: ‘Puxa, não estou indo nas manifestações, mas estou falando para um público que tem suas vontades, seus desejos e impulsos reprimidos’.” Não deixa de ser uma forma de ajudar a construir um Brasil melhor.

Fotos: Rodrigo Lopes; Produção de moda: Renato Telles; Stylest: Alê Duprat; Cabelo e maquiagem: Gabriel Ramos; Arquivo Pessoal