Em 2013, Dilma Rousseff enfrentou o ano de sua maturidade como presidenta. Depois de desembarcar no Planalto como herdeira do mais popular político brasileiro da história e atravessar um período de afirmação de estilo que é, também, uma forma de autoridade, a presidenta ficou diante do monstro da insurreição das ruas. Dos homens e mulheres que, mascarados ou não, fizeram um levante popular que logo seria reconhecido como um dos maiores desde a chegada de Pedro Álvares Cabral e suas caravelas àquelas terras férteis e generosas.

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EFICIÊNCIA
A presidenta Dilma Rousseff surpreendeu ao reagir
com rapidez e firmeza aos protestos de junho

Sob ameaça de se transformar no alvo principal de uma força que colocou de pé aquele furacão humano, Dilma Rousseff mostrou que pode ter sido um poste eleitoral em 2010, mas, três anos depois, sabia muito bem sua função e seu lugar. No início de 2013 vivia-se, no Palácio do Planalto, as agradáveis ilusões de quem tinha a impressão de ter vencido a guerra sem ter necessidade de passar pela batalha do ano presidencial de 2014. Chegava-se até a dizer que a popularidade de Dilma já havia superado a de Lula. A oposição parecia ajoelhada. Com crescimento positivo, ainda que baixo, o emprego em seus melhores patamares da história, a população dava a impressão de estar satisfeita, como se não pudesse sonhar com nada melhor. A impressão era que só faltava combinar com os empresários, aliados até generosos em campanhas eleitorais quando vislumbram um vencedor, mas amigos fugazes na sustentação do dia a dia de um governo que eles consideram intervencionista demais e atrapalhado em excesso.  

Os protestos de junho deixaram o governo  menor do que parecia. Mas foi naqueles dias que a presidenta surpreendeu de verdade, tornando-se maior do que seus adversários gostariam e mais eficiente do que os aliados supunham. Enquanto boa parte dos governadores de Estado desaparecia sem tempo de acenar um gesto de adeus, prefeitos com ares iluminados se confundiam na escuridão repentina e parlamentares aprovavam e rejeitavam projetos a esmo, Dilma tomou outro caminho.

Dilma mudou a geografia da Presidência após os protestos. Chegou a
fazer mais de uma reunião mensal com a base aliada no Congresso

Em vez de seguir a cartilha elementar do marketing político, que recomenda ficar longe das crises para evitar maiores contaminações, seguiu a lição de que situações excepcionais exigem respostas excepcionais – e mostrou o rosto na confusão. Apenas em junho, foi duas vezes à tevê. Na primeira, para dizer que iria cumprir a obrigação de defender a ordem e a democracia. Na segunda, para apresentar um programa de reivindicações ora justas, ora destrambelhadas, ora tão mal encaminhadas que não sobreviveram a 30 minutos de conversa, como a de convocar uma Constituinte. Mas elas indicavam um rumo de quem não havia desistido de governar um país que, em determinados momentos, parecia assumir com todo vigor de sua juventude a máxima do anarquismo espanhol  pela qual “si hay gobierno, soy contra”. Passou a desenvolver uma atividade que costuma provocar sua  impaciência sabidamente infinita – reuniões políticas – e mudou a geografia da Presidência. Chegou a fazer mais de uma reunião mensal com a base aliada no Congresso – um recorde. Depois de dois anos trancada em conversas administrativas no Planalto, passou a dedicar dois e até três dias por semana a viagens aos Estados. Inspirada pela visita do papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, a presidenta saiu sem seguranças pelas ruas de São Paulo e Belo Horizonte.

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PRIORIDADE AO SOCIAL
Lançado por Dilma, o Mais Médicos foi uma iniciativa capaz de colocar o
governo em sintonia com uma necessidade dos mais pobres e desassistidos

No início de julho, quando os baderneiros e suas vidraças quebradas pareciam ter o monopólio das manifestações, Dilma restabeleceu aquele elemento químico indispensável para a saúde política de qualquer governo: a conexão com as necessidades das grandes parcelas da população. Num país onde 15% dos municípios não dispõem de um único médico para cuidar dos partos, das dores de barriga e de outras situações infinitamente mais graves de seus moradores, o programa Mais Médicos gerou benefícios em várias camadas de sua geologia política.  

Para milhões de brasileiros que simplesmente não têm a atenção de um doutor para atendê-los, o programa trouxe a possibilidade de um primeiro socorro – benefício que qualquer pessoa que já tenha quebrado a perna na calçada, e ficado estatelada no chão à espera de uma ambulância, tem toda condição de avaliar. Para o governo da tecnocrata Dilma, o Mais Médicos foi uma iniciativa capaz de colocar o governo ao lado de uma necessidade absoluta dos mais pobres e desassistidos. Ao assumir uma postura de adversários frontais do programa, sem compreender seu imenso valor social, as entidades que representam 400 mil médicos do País contribuíram para reforçar um debate que o governo tinha todo interesse em realizar e ajudou Dilma a sair da UTI dos índices de popularidade.

Dilma reagiu com firmeza às denúncias de espionagem por parte do
governo americano e colheu os frutos do aumento de sua popularidade

Capazes de apontar pontos corretos em suas críticas iniciais ao programa, como a falta de infraestrutura para garantir o atendimento em lugares remotos, ou mesmo a falta de critérios claros para a validação de diplomas do Exterior, as entidades médicas perderam a bússola quando assumiram atitudes radicais, a ponto de fazer um discurso preconceituoso contra doutores estrangeiros, em especial os cubanos, que desembarcavam no País para trabalhar em locais onde os médicos brasileiros se recusam a residir, mesmo embolsando salários de R$ 10 mil e até R$ 18 mil. Escolada pelo longo equívoco de 2004, quando recebeu o Bolsa Família como programa eleitoreiro, sem enxergar que se produziu, ali, uma resposta para minorar a miséria de 50 milhões de brasileiros, a oposição agiu com sabedoria. Preferiu o silêncio ao desgaste. No segundo semestre, as denúncias de espionagem eletrônica por parte do governo americano permitiram a Dilma colher os trunfos de quem mostrou a firmeza necessária para reagir às ações da NSA, numa postura consolidada em aliança com o governo de Angela Merkel, a primeira-ministra da Alemanha, vítima do mesmo tipo de ação inaceitável entre nações amigas.

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Principal trunfo da eleição em 2010, a economia chega ao final de 2013 com uma taxa de crescimento que pode ser razoável em comparação com outros países, mas sempre será baixa depois que o governo anunciou a meta de 4%. O leilão do pré-sal foi um sucesso relativo de US$ 15 bilhões, especialmente porque a oposição anunciou um fracasso estrondoso, mas não trouxe um centavo a mais de ágio. A grande vitória se obteve nas concessões de aeroportos, arrematadas por R$ 19 bilhões depois de um piso inicial de R$ 5 bilhões. Após tremores e solavancos, o emprego continua num bom patamar e a vida dos mais pobres continua a melhorar. São valores que o País aprendeu a considerar, que mostram que o copo do governo Dilma Rousseff está mais cheio do que vazio. A dúvida real é saber se poderá atender às necessidades que o eleitorado levará para as urnas no ano que vem, no teste definitivo da presidenta.

Fotos: Fernando Bizerra Jr./EFE; Roberto Stuckert Filho/PR