Sábia Dalila. Ela não precisou estudo científico para descobrir o poder dos cabelos de Sansão. Na história bíblica, o guerreiro perde a força quando a amada corta suas madeixas. Os mortais comuns não chegam a tanto, mas um estudo feito pela Universidade de Yale mostra o quanto as pessoas são suscetíveis ao desalinho ou ao corte ruim dos cabelos. Segundo a pesquisa, que envolveu 60 homens e 60 mulheres de várias etnias, com idades entre 17 e 30 anos, um cabelo despenteado altera o humor e a auto-estima. E, ao contrário do que se pensa, o homem, se insatisfeito, fica tão amuado quanto as mulheres. O estudante Leandro Zabeu Gallo, 25 anos, é um caso típico. “Quando ele está sem corte fico angustiado. Encho de gel até dar um jeito”, conta. Leandro só confia a cabeça a Márcio, cabeleireiro da apresentadora Ana Maria Braga.
 

Mas por que, afinal, o cabelo mexe tanto com o humor? Ele é muito mais que a moldura do rosto, como se costuma dizer. Além de ser uma espécie de “cartão de visitas”, está associado à higiene e ao cuidado. É também uma maneira de adequação social e identidade. A psicoterapeuta Maly Delitti, da PUC de São Paulo, acredita que os cabelos mexem com as pessoas porque são extremamente valorizados na sociedade. “A auto-estima é construída a partir dos valores reforçados desde o berço”, diz. Na adolescência, fase em que a auto-afirmação depende da aceitação do grupo, o corte e a maneira de pentear os cabelos podem ser um passaporte para entrar na turma. E é a partir do cabelo que se rotula de brega ou chique, in ou out.
 

A apresentação do cabelo é tão importante que o penteado pode ser escolhido com base na agenda de compromissos. É o que acontece com a empresária Celi Mara Cornette. “Se tenho um compromisso social, uso cabelos lisos. Quando escolho cabelos crespos, estou mais à vontade e mais arrojada”, pontua. Sinal dos tempos. Na década de 70, só era “bacana” ter cabelos escorridos. Mesmo que para isso fosse preciso dormir de touca ou passá-los a ferro para alisá-los. E os homens também não abriam mão do recurso. Hoje, os crespos estão na moda.
 

Para os negros, o reconhecimento da beleza dos cabelos afros é uma vitória a favor da valorização da raça. Uma simples olhadela nas prateleiras das lojas de cosméticos dá idéia da mudança. Há uma profusão de produtos especializados. “A sociedade, com ajuda da mídia, constrói modelos de beleza. Quem tem um tipo que não está na moda, se sente desvalorizado”, aponta a psicoterapeuta Maly.
 

Há também os que fazem dos cabelos a sua marca registrada. Faz parte deste grupo a cantora e locutora de rádio Dani Mell, 26 anos. Há dez anos, ela não corta os cabelos. Pode-se dizer que ela sofre de síndrome da sereia. Sofre não, usufrui. “Eles chamam a atenção. As crianças piram. Acho que desperta nelas o imaginário das histórias de fadas e sereias. E os homens não ficam indiferentes”, afirma ela.
 

A história confirma o que Dani Mell pressente. Para os homens, o cabelo longo funciona como um estímulo de sedução. “Pelo menos até o século XIX, o cabelo longo foi símbolo de feminilidade e sensualidade, como mostra a lenda de Rapunzel, da Idade Média”, afirma Miti Shitara, professora de História da Moda, da Faculdade Santa Marcelina, de São Paulo. “É um fetiche histórico tanto no Ocidente quanto no Oriente.”
 

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Cortar, pentear, enfim mexer nos cabelos tem para alguns um efeito calmante. Quando a artista plástica Marina Godoy Monteiro, 38 anos, perde o sono, por exemplo, cortar o cabelo é um ato quase irresistível. “Quando vejo, já estou com a tesoura na mão na frente do espelho.” Como um mecanismo para marcar a mudança no estado de espírito, alterações drásticas no cabelo geralmente prenunciam ou consolidam mudanças de vida. Quando mudou para a França, no início da década, Marina usou cabelos curtinhos e pretos.
 

Além dos significados pessoais, outros valores podem ser atribuídos ao cabelo. Eles são usados como elemento de protesto e transgressão. Que o digam os hippies da década de 60, que pregavam a paz e o amor livre; os black power, depois de 65, em luta pelo respeito à identidade negra; os punks londrinos nos final dos anos 70 com sua apologia à contestação pura e simples e, finalmente, os clubbers do fim do milênio, que traduzem a irreverência nos cabelos pintados e cheios de penduricalhos. Como se vê, o cabelo não reflete só a luz, mas muito do que vai na cabeça que o ostenta.


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