Uma das surpresas da Bienal do Livro de 1999, realizada no Rio de Janeiro, foi a palestra do escritor Alessandro Baricco, um italiano de 42 anos, que veio ao Brasil prestigiar o lançamento de seu livro Mundos de vidro. Numa certa altura, sem o menor constrangimento, ele foi até um piano que estava na sala por mera coincidência e passou a responder as questões com músicas. A sensibilidade musical pode ser percebida em Novecentos – um monólogo (Rocco, 72 págs., R$ 16), originalmente um texto teatral escrito para um amigo, em que o narrador, o trompista Tim Tooney, conta a incrível história de Danny Boodmann T. D. Lemon Novecentos, pianista fictício com quem cruzou os mares tocando a bordo do navio Virginian. Novecentos foi encontrado por um marinheiro com poucos dias de vida, dentro de uma caixa colocada em cima do piano do salão principal. E o navio tornou-se seu lar. Aprendeu música sozinho e criou um estilo próprio, considerado mágico por todos que o ouviam. O problema é que Novecentos nunca colocou os pés em terra firme, passando 32 anos de porto em porto, debruçado sobre as teclas. Apesar de curto, o texto é um sensível passeio pelas minúcias da alma humana, notadamente aquela atribuída aos artistas, escrito com um virtuosismo que evoca Julio Cortazar em seu célebre conto Johnny, el perseguidor, dedicado a Charlie Parker. Luiz Chagas.