Ler um livro do escritor americano Armistead Maupin é, antes de mais nada, um ato de amor descarado ao que se tem de melhor: a alegria de viver. E antes que o leitor imagine que aqui se fala de alguma obra de auto-ajuda, ressalte-se que suas obras passam longe, muito longe de filosofias e manuais de comportamento. Trata-se pura e simplesmente do prazer de ler. Ler e, no mínimo, dar boas risadas, o que faz muito bem à saúde. Este é o principal mérito de Outras histórias de uma cidade (Record, 460 págs., R$ 45), terceiro volume da série Histórias de uma cidade, do mesmo autor. Um caso raro de sequência que se pode ler independentemente dos anteriores, sem nenhum prejuízo para a compreensão. Na verdade, o livro, ao contrário do que o nome parece indicar, não é de contos, mas sim um romance com começo, meio e fim. Parte de um enredo mirabolante e improvável, que ressuscita a figura de Jim Jones, o fanático que envenenou seus seguidores em plena selva da Guiana, e aqui aparece acampado em pleno centro de São Francisco para conquistar uma jornalista fútil e impressionantemente burra, que ignora sua verdadeira identidade. Mas essa premissa, que envolve uma herdeira rica, lésbica e desorientada, seus dois filhos sino-americanos, uma candidata à fama televisiva, alguns esquimós e um padre superstar nitidamente gay, é apenas um pretexto de que Maupin lança mão para mostrar e amarrar personagens que traçam o perfil de uma São Francisco enlouquecida e alegre, essencialmente alegre. Absolutamente tudo o que poderia dar errado, dá, claro. Mas nada é levado assim tão a sério e é aí precisamente que está toda a graça. Os personagens cometem crimes, sequestram e usam drogas como se fossem meras travessuras, mas professam um tão acirrado amor à vida e à diversão, que conquistam de imediato a simpatia do leitor. Hedonistas convictos e praticantes, são eles por suas vias arrevezadas que ajudam Maupin a desfraldar, como de hábito, a bandeira do arco-íris nas hostes gays. Ativista ferrenho dos direitos dos homossexuais desde a década de 70, não é à toa que o autor dá essa opção sexual aos mais simpáticos e decididos de seus personagens, do jardineiro apaixonado por todos os homens que cruzam seu caminho à mãe de família que prepara para seus filhotes americaníssimos cookies temperados com sementes de um pé de maconha mantido no quintal. Em tempos de intolerância e discriminação, um libelo imperdível.