Uma brincadeira recorrente entre profissionais da área de marketing diz que as pessoas que trabalham nesse ramo são pagas para enganar o maior número de pessoas durante o maior tempo possível. Ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, o catarinense Henrique Pizzolato, 61 anos, parece ter se inspirado nessa máxima para escapar do Brasil e se exilar na Itália. Numa operação repleta de lances criativos, armada em um QG no coração de Copacabana e realizada graças a inúmeras conexões no Brasil e no Exterior, Pizzolato conseguiu não só driblar as autoridades brasileiras, mas também provar que é, acima de tudo, um sujeito assaz esperto – esperto o suficiente para deixar poucos rastros, a maioria deles imprecisos, de modo a dificultar que descubram onde afinal se esconde. Condenado a 12 anos e 7 meses de prisão, além de multa de R­$ 1,­3 milhão, no processo do mensalão, Pizzolato protagonizou a história mais extraordinária do escândalo de corrupção. Até agora, ele foi, entre todos os sentenciados à cadeia, o único que tem algo para comemorar. Na quinta-feira 21, enquanto José Genoino estava na UTI de um hospital depois de sair às pressas do cárcere, Pizzolato poderia muito bem ter passado a tarde apreciando Michelangelos e Da Vincis na Galleria degli Uffizi, em Florença, ou navegando em gôndolas nos canais de Veneza – seriam cenários condizentes com seu perfil extravagante.

PIZZOLATO-01-IE-2297.jpg
EXTRAVAGANTE
Com a indefectível gravata-borboleta e com o ex-ministro Luiz Gushiken:
Pizzolato foi o único mensaleiro que se deu bem

chamada.jpg

Segundo informações publicadas pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, Pizzolato começou a planejar a fuga no dia 4 de setembro, quando o Supremo Tribunal Federal rejeitou recursos apresentados por seus advogados, indicando assim que o cativeiro se aproximava. Foram necessários quase 30 dias para preparar a operação, concebida com a ajuda de alguns fiéis amigos. No início de outubro, o plano ganhou forma. Por volta das 4h30 da madrugada, Pizzolato deixou a cobertura do número 46 da rua Domingos Ferreira, em Copacabana, na zona sul do Rio. Carregava apenas uma mochila nas costas, na qual guardou três pares de meias, três cuecas, duas camisetas, objetos de higiene pessoal e um pen drive com cópia de dossiê de mil páginas divididas em nove capítulos diferentes. No dispositivo está descrita toda a sua trajetória política (especialmente a participação na campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, quando tinha como tarefa maior articular encontros do candidato com empresários) e profissional (principalmente as atribuições no Banco do Brasil), além de arrazoados jurídicos que defendem sua inocência.

Pizzolato foi levado à fronteira com o Paraguai por um amigo, que dirigiu durante mais de 20 horas, ao longo de 1.600 quilômetros, até um ponto incerto de transição. Suspeita-se que tenha entrado no Paraguai pela cidade de Pedro Juan Caballero. Fez isso a pé, sem ser incomodado pelas autoridades. Em território estrangeiro, pegou outro carro, contratado para levá-lo até Buenos Aires, distante 1.500 quilômetros dali. Na viagem, alimentou-se de bananas e bolachas e parou apenas para ir ao banheiro. A partir daí a história ganhou contornos nebulosos. Há quem acredite que bastou a Pizzolato, detentor de dupla cidadania, ir ao consulado italiano – ou na Argentina ou no Paraguai – e alegar que perdera seu passaporte para conseguir um novo. Na quinta-feira 21, apareceu uma nova informação: ele teria embarcado num avião rumo à Europa com documentos falsos, o que dá ares ainda mais pitorescos à história. Seja qual for a versão verdadeira, o que se sabe é que o mensaleiro está mesmo na Itália. Também na quinta-feira 21, as autoridades italianas declararam que Pizzolato entrou no país, mas por via terrestre.

IEpag48a50_PizzolatoVale-2.jpg

Mesmo distante do Brasil, Pizzolato continuará contando com o apoio de amigos dedicados à sua causa – tentar provar que não tem responsabilidade no desvio de recursos públicos destinados ao esquema do mensalão. A cobertura em Copacabana transformou-se numa central de guerra. Todos os dias, duas ou três pessoas ligadas a Pizzolato vão ao apartamento do ex-executivo do Banco do Brasil para espalhar informações, via blogosfera, que comprovariam a tese de sua inocência. Entre esses ajudantes estão o ex-funcionário do Banco do Brasil e ex-sindicalista Alexandre Teixeira, que aparece de costas numa das fotos que ilustram esta reportagem. “Tudo que afirmamos está devidamente sustentado por documentos”, disse Teixeira ao jornal “O Globo”. O esquema, conhecido na internet como guerrilha digital, continuará por tempo indeterminado, mesmo se Pizzolato ficar um bom período sem dar notícias. Até agora, a operação deu resultado zero. Na madrugada da sexta-feira 22, o site www.megacidadania.com.br, usado pelos tais amigos para difundir supostos erros do processo, estava fora do ar.

Na semana passada, a Procura­doria-Geral da República pediu a extradição de Pizzolato, mas especialistas concordam que é pequena a possibilidade de italianos entregarem o mensaleiro para as autoridades brasileiras. Sinal disso foi dado na quinta-feira 21, quando o governo da Itália referiu-se a Pizzolato como um “cidadão livre de um país europeu”.Antes de fugir para o estrangeiro, ele disse a amigos que faria de tudo para obter um novo julgamento no Exterior, algo que, pelo menos por ora, também parece pouco provável. Para a Polícia Federal, o ex-diretor do Banco do Brasil está foragido. Pizzolato já consta na lista de procurados da Interpol – seu nome foi enviado para 190 países. Significa que, se for encontrado por policiais, pode ser imediatamente enviado ao Brasil. É pouco possível, porém, que deixe a Itália e coloque sua liberdade em risco. Condenado por corrupção, o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, também cidadão ítalo-brasileiro, deixou a Itália para fazer um passeio em Mônaco. Acabou preso e extraditado.

PIZZOLATO-03-IE-2297.jpg
AMIGO FIEL
Ex-funcionário do Banco do Brasil, Alexandre Teixeira vai todos os dias
à casa de Pizzolato para montar um dossiê a favor do mensaleiro

Há duas semanas, Pizzolato ganhou um motivo adicional para permanecer em território italiano. Sua mulher, Andréa Pizzolato, embarcou para o país. Segundo amigos, vai ficar definitivamente por lá. No ápice do escândalo do mensalão, o casal de separou, mas acabou se reconciliando à medida que a possibilidade da prisão se tornava real. Homem dado a certas extravagâncias (gostava de usar gravata-borboleta e, apaixonado por arquitetura, tinha a mania de rabiscar projetos na parede do apartamento), Pizzolato recolheu-se recentemente à religião. Pouco antes de fugir para a Itália, visitou Fátima, em Portugal, e Lourdes, na França, e fez o caminho de Santiago de Compostela. De uns tempos para cá, decidiu estudar os preceitos espíritas. Sua salvação, porém, parece ser ainda algo muito distante.

Foto: Sérgio Lima/Folhapress; Ricardo Gama (9 fev. 2005)