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Foram poucas as vezes que personagens ilustres da política e da economia brasileiras cruzaram os muros das penitenciárias do País como presidiários comuns. No sábado 16, Delúbio Soares, José Genoino e José Dirceu, figuras fundamentais na longa jornada que levou o Partido dos Trabalhadores do ABC paulista ao Palácio do Planalto, se transformaram na exceção da regra. Junto com a banqueira Kátia Rabello e outros políticos e empresários condenados no julgamento do mensalão, o grupo teve o destino que até hoje o País parecia reservar apenas a negros e pobres. Detidos desde o dia anterior, quando o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, decretou a prisão de parte dos condenados do mensalão, naquele sábado os três dos mais poderosos homens do partido que está no poder no Brasil há mais de uma década deixaram, ao menos oficialmente, de se chamar Delúbio, Genoino e Zé. Dentro da Penitenciária da Papuda, passaram a ser identificados apenas pelos números que todos os condenados do sistema prisional brasileiro recebem ao começar a cumprir suas penas.

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PRESOS
Condenados têm dificuldade para se adaptar às
restrições impostas pela nova vida na cadeia

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A situação, por quase inédita, se tornou inusitada. Dentro e fora da Papuda ninguém sabia, ao certo, como proceder com presos tão ilustres. Os agentes penitenciários se esforçaram ao máximo para tentar tratar Delúbio, Genoino e José Dirceu como mais três presidiários comuns. Ofereceram colchões velhos, finos e não exatamente cheirosos para cobrir as camas de concreto, forneceram a mesma refeição que todos os outros detentos recebem e, até, trataram os condenados famosos com a típica frieza que marca a relação de captores e capturados. Mas, apesar disso tudo, não colocaram em prática a regra que determina que todos os presidiários tenham seus cabelos cortados com máquina dois e a barba sempre aparada. Com uma semana de cadeia, José Dirceu manteve as suas já famosas madeixas grisalhas intactas e o cavanhaque de Genoino não perdeu sequer um fio. Há relatos de que até o controvertido bigode de Delúbio Soares se manteve intacto.

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A ex-dona do Banco Rural Kátia Rabello e a ex-secretária de Marcos Valério, Simone Vasconcelos, só chegaram ao complexo da Papuda na terça-feira 19. As duas, ao contrário dos condenados masculinos, estão presas nas dependências do 19o Batalhão da Polícia Militar, dentro da própria penitenciária. As duas têm tomado banhos de sol no pátio do batalhão, sempre acompanhadas por agentes prisionais.

Desde o dia 15, quando se entregaram à Polícia Federal, os condenados do mensalão têm tido dificuldade para se adequar à nova rotina de presidiários. O primeiro choque de realidade veio quando entraram na sala de custódia da ala federal da Papuda. Todos eles levavam pequenos volumes com objetos pessoais, como barbeadores elétricos, aparelhos eletrônicos para música, nécessaire com produtos de higiene pessoal. Tudo foi confiscado pelos agentes. Os condenados passaram quatro horas em pé na sala de custódia, enquanto suas coisas eram catalogadas e guardadas, e as celas eram higienizadas para recebê-los.

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Com as pernas doendo pela longa espera, os novos detentos estavam ansiosos pela chegada às celas. Inicialmente ficaram nas individuais na ala federal, que têm seis metros quadrados cada uma. À noite, se depararam com o cubículo com o chão devidamente varrido, mas as espumas que cobriam a cama de alvenaria tinham aparência e cheiro de suor. Alguns deles tiveram a impressão de que os colchonetes haviam servido a outros detentos na noite anterior. Ainda agitados, os mensaleiros sofreram para encarar a escuridão e o desconforto. Os comprimidos contra insônia levados por Delúbio foram barrados. Dirceu reclamou de dificuldade para dormir tão cedo, uma vez que o toque de recolher e o apagar das luzes no presídio acontece às 20h. Os oito livros que levara para os momentos de insônia não tiveram serventia.

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CHEGADA
Já no primeiro dia como prisioneiros,
condenados tiveram bens pessoais apreendidos

Na segunda-feira 18, o juiz de execuções penais, Ademar Vasconcelos, autorizou a ida dos presos em regime semiaberto para o Centro de Internamento e Reeducação (CIR). Dirceu, Genoino e Delúbio ganharam o direito de circular nos corredores do setor. No lugar da cela individual, foram para uma coletiva, uma espécie de galpão com pouco mais que 25 metros quadrados, equipado com três beliches. Além dos mensaleiros, outros dois presos em regime semiaberto ocupam a cela coletiva. A maior frustração dos mensaleiros que chegaram ao CIR foi a falta de acesso à internet nos computadores da biblioteca da Papuda. Os advogados solicitaram ao juiz de execução pelo menos 15 minutos diários de acesso à rede. O pedido ainda não foi atendido. É na biblioteca que os livros de Dirceu ficam confiscados.

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Na Papuda, os presos do semiaberto acordam às 6h da manhã. O silêncio das celas é quebrado por detentos que passam arrastando carrinhos de metal com canecas de plástico e sacos com pães feitos na padaria da Papuda. É o café da manhã dos nove mil presos, inclusive dos condenados do mensalão. Cada preso ganha apenas um pão besuntado de margarina de latão, quantidades industriais compradas em licitação. Não tem segunda dose. O pão seco e dormido – armazenado em estoque – é acompanhado por uma caneca de leite com achocolatado, geralmente servido quente. A má qualidade e a quentura do líquido no calor do Cerrado fez com que a bebida ganhasse o nome de “Chernobyl”. Às 11h30 começa a distribuição das marmitas de alumínio, a chamada “xepa”. No cardápio não há espaço para verduras e legumes. Arroz, feijão, farofa de farinha de mandioca. Só a porção de carne é diferente, variando entre carne assada, cozida ou frango. Os detentos comem com colher de plástico.

Na ala do semiaberto, as visitas não são obrigadas a passar pelo mesmo sistema rígido de triagem feito nos outros setores. A partir da apresentação de documentos na primeira cancela da Papuda, o visitante demora cerca de 20 minutos para falar com os presos. Mesmo assim, José Dirceu pediu que a filha de três anos não fosse ao presídio. Não quer que ela se submeta ao ambiente. Delúbio também implorou à família que não levem o pai, Antonio Soares. Seu Catonho, como é conhecido, tem 83 anos e o ex-tesoureiro do PT teme que sua saúde seja abalada ao ver o filho preso.

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No Congresso, distante pouco mais de 100 quilômetros do maior complexo prisional do Distrito Federal, não havia outro assunto a dominar as rodas de parlamentares no cafezinho da Câmara ou do Senado. Ao longo da semana ao menos três comboios de parlamentares cruzaram os portões da Papuda para conversar com os presos. Em geral, foram conversas rápidas, mas as blusas de cor azul-clara, com a palavra “interno” impressa em branco no lado esquerdo do peito, e as calças surradas com as quais os três estavam vestidos foram os detalhes que parecem ter mais impressionado os parlamentares. Mais de um deputado fez questão de descrever as franciscanas vestimentas dos ex-colegas.

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ALÍVIO
Carcereiros não rasparam as madeixas grisalhas de Dirceu
nem o emblemático cavanhaque de José Genoino

Nas conversas, os três mais ouviram do que falaram. Um dos momentos de maior euforia ocorreu na segunda-feira 18, quando o grupo de deputados que visitava os encarcerados contou que havia manifestações de apoio na rua. Eles ficaram sabendo também, que no último dia 15, enquanto se entregavam à Polícia Federal país afora, o Movimento dos Sem-Terra (MST), historicamente ligado ao PT, ocupava fazendas na região de São Paulo. Seu líder, José Rainha Junior, não fez cerimônia ao anunciar a insatisfação do movimento com as prisões e garantir que mais manifestações estão sendo articuladas. Em resposta ao apoio recebido, Dirceu, Genoino e Delúbio divulgaram na terça-feira 19 uma carta manuscrita agradecendo e afirmando que não aceitariam humilhação.

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Assim como os outros moradores da Papuda, Dirceu, Delúbio e os outros condenados custarão R$ 1.500 mensais aos cofres públicos, com direito a três refeições diárias. Muitos reclamam que a comida não é suficiente. No presídio há uma lanchonete. No local é possível comprar sanduíche de presunto a R$ 4, e refrigerante, por R$ 5. Além do “lanche”, há produtos como papel higiênico, creme dental e sabonete. É frequente a falta de produtos de higiene pessoal. O jantar é servido até às 18h. Quando terminam a ceia, os presos gritam palavras de ordem, ensaiam uivos e acabam com o silêncio da unidade prisional. O protesto é chamado de “o lamento das 18h”. Uma ladainha com a qual os condenados do mensalão terão que se acostumar.

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VISITA
Ao menos três comboios com parlamentares cruzaram os mais de 100 km
que separam o Congresso Nacional da Penitenciária da Papuda para ver
de perto como estão vivendo os ex-colegas de plenário na cadeia

Fotos: Ezequiel Neves / Ag. O Globo; Marcelo Ferreira/CB/D.A Press; Sérgio Lima/Folhapress; Adriano Machado