Enquanto a platéia gruda os olhos nas ruas, na avenida e nos seios das musas do samba, os carnavalescos acertam o passo nas músicas que comemoram os 500 anos de Brasil. Em Salvador, onde um aglomerado de dois milhões de turistas engrossa a folia que começou desde quinta-feira 2, a eterna musa Ivete Sangalo interpreta o carro-chefe de seu primeiro disco solo, a música Canibal, vestida a caráter. No bloco Interasa, o carnavalesco Durval Léllis, vocalista da banda Ásia de Águia, canta várias músicas que narram a história do País. Os 500 anos se intercalam com a comemoração dos 50 anos de trio elétrico e 15 de axé. É festa para ninguém botar defeito. Para comemorar o cinquentenário dos trios, no sábado, Daniela Mercury fará uma apresentação especial no Farol da Barra. Ela vai introduzir a tecno music no reino do axé. Um bloco especial, puxado por Armandinho, Caetano Veloso, Gil e Gal Costa desfilará no domingo, às 20 horas. Isso é só para citar alguns exemplos. São dezenas de blocos que animam o Carnaval baiano, que este ano será fechado com chave de ouro. Carlinhos Brown e a sua Timbalada dão a nota final da festa com o arrastão, show gratuito que acontece na manhã de Quarta-Feira de Cinzas, no Farol da Barra.
 

No Rio de Janeiro, a concentração ficou mesmo nos 500 anos. A idéia da homenagem partiu da Liga Independente das Escolas de Samba, que propôs que os enredos abordassem temas ligados à História do País. Em abril de 1999, as 14 escolas do Grupo Especial escolheram entre 21 temas. Mas como não havia a preocupação de contar a história de forma cronológica, muitas delas puderam dividir os mesmos temas. Imperatriz Leopoldinense, Unidos da Tijuca e Viradouro, por exemplo, darão suas versões do descobrimento do Brasil. Mangueira e Tradição vão exaltar a raça negra. Portela, Porto da Pedra, Caprichosos de Pilares e União da Ilha mostrarão acontecimentos do século XX. Beija-Flor, Mocidade e Grande Rio decidiram traçar um enorme painel dos 500 anos. Só o Salgueiro escolheu um tema diferente: a chegada da família real portuguesa ao Brasil no século XIX.
 

O medo era cair no óbvio e de deixar o público do Sambódromo bocejando, com sensação de déjà vu. Os carnavalescos decidiram então fazer o que sabem melhor. Nada de se ater aos livros de História e levar um Carnaval didático para a Marquês de Sapucaí. Em vez disso, o que se vê nos desfiles são os já tradicionais enredos “viajandões”, apesar de algumas coincidências inevitáveis em se tratando de História do Brasil (caravelas e índios em quase todas as escolas). Por isso, mesmo quando há coincidência de tema, a forma de contar é totalmente diferente. Em alguns casos, são tantas as licenças poéticas que fica difícil entender de que evento se está falando. Mas, como a intenção do Carnaval é divertir e não necessariamente ensinar, vale tudo.

Miscigenação – Um dos enredos mais criativos é o da Unidos do Viradouro, saído da cabeça sempre surpreendente de Joãosinho Trinta. A Viradouro pretende lembrar a importância da miscigenação das raças branca, negra e indígena na formação da cultura brasileira, mostrando os horrores da escravidão e da dizimação dos índios. “Escolhemos a carta de Pero Vaz de Caminha para mostrar como o paraíso dos brancos se transformou no inferno dos negros. O enredo é uma síntese alegórica destes 500 anos”, explica o carnavalesco, entre carros como o impactante O inferno medieval, cheio de bocas monstruosas engolindo gente e pedaços de corpos dilacerados, mostrando o horror da época do descobrimento. Outro carro impressionante pela originalidade e beleza é o abre-alas, uma caravela toda cravejada de pedras preciosas.
Caravelas, aliás, estarão em quase toda parte. Só escaparam as escolas que retratarão o último século. As mais bonitas são as três caravelas da Unidos do Grande Rio, criação do carnavalesco Max Lopes. Pequenas e todas forradas com renda dourada, servirão de palco para o show do ator Miguel Falabella, que virá no alto de uma delas. Em meio a homenagens à brasilidade, a carnavalesca da atual campeã Imperatriz Leopoldinense, Rosa Magalhães, conseguiu colocar até a Índia em dois carros alegóricos. A idéia é fazer uma citação ao destino inicial dos navegadores portugueses, as Índias. Assim, entre caravelas lusitanas e a exuberância tropical, surgem imagens de deuses indianos. É inusitado, mas ninguém pode negar que ficou lindo.
Outra grande favorita todos os anos, a Mocidade Independente de Padre Miguel, do carnavalesco Renato Lage, promete trazer o carro abre-alas mais original. Inspirado na música Um índio, de Caetano Veloso, Renato Lage criou a chegada de índios ancestrais brasileiros que teriam viajado ao futuro e voltam para ver no que deu a tal terra brasilis. “A idéia é levantar o questionamento de como será daqui para a frente”, tenta explicar ele. Mais uma vez, a comissão de frente da Mocidade, a cargo dos malabaristas da Intrépida Trupe, deve ser garantia de muitas notas dez.

Mistério– Sempre escondendo o jogo, a Estação Primeira de Mangueira, como todos os anos, faz mistério em torno de seus carros alegóricos e fantasias. A justificativa é que mostrar quebra o impacto do dia do desfile. Com um dos sambas mais animados do ano, a escola homenageia o desconhecido D. Obá II, um baiano que se autoproclamava descendente de nobres iorubás e ficou conhecido como rei dos esfarrapados e príncipe do povo. É um dos enredos mais politizados, lembrando a desigualdade de raças no Brasil. A outra homenagem à raça negra vem da Tradição, cujo carnavalesco, Orlando Jr., defende o enredo de forma para lá de xiita. “O negro é a identidade verdadeira do Brasil, que deverá ser orgulhosamente assumida por representar ainda o que há de mais humano em nós” (!)
 

A Riotur, empresa de turismo da prefeitura carioca, recebeu este ano 311 mil turistas, entre brasileiros e estrangeiros, em apenas uma semana. Este número, será 15% maior que o volume de turistas do último ano no período. Segundo o presidente da Riotur, Gérard Bourgeaiseau, esses turistas devem gastar na cidade cerca de R$ 345 milhões entre hotel, compras, bares e restaurantes.