Parecia puro charme o chapéu que o artista alemão Joseph Beuys (1921-1986) não tirava da cabeça nem para assistir à televisão. Não era. A marca registrada foi inventada para esconder queimaduras sofridas durante a Segunda Guerra Mundial, quando, como piloto da Força Aérea nazista, seu avião foi abatido sobre a Criméia. Socorrido por nativos, teve o corpo coberto de gordura animal e envolvido em feltro. Por algum motivo, o incidente despertou-lhe a atenção pela arte, e tanto a graxa quanto o feltro se tornaram materiais constantes na sua obra, que agora pode ser revista através da exposição Os múltiplos Beuys – Joseph Beuys na coleção Paola Colacurcio, em exibição no mezanino do Centro Cultural Fiesp, trazendo 48 trabalhos daquele que, ao lado de Andy Warhol, é considerado um "gênio da criação" da segunda metade do século XX. A afirmação é do curador da mostra, Paulo Reis, para quem Beuys é o que melhor empreendeu a questão da multiplicidade da obra de arte.

Entender Beuys é mais fácil do que parece. Basta ter em mente o conceito elaborado por ele de que tudo pode ser arte e que todos são capazes de produzi-la. "Pensar é esculpir", dizia o artista, que também achava que a arte deveria chegar a todos. Por isso, alguns de seus múltiplos têm tiragem ilimitada. Beuys costumava promover ações – não confundir com performances – como a invasão da Academia de Artes de Düsseldorf, em 1972, realizada em protesto ao vestibular e ao sistema de avaliação. A serigrafia de 1973, originada da sua expulsão pela polícia e grafitada com a expressão Demokratie ist lustig (A democracia é engraçada), tornou-se um múltiplo de 80 exemplares assinados. A mesma idéia foi usada em Terremoto in palazzo, de 1983, em que Beuys aparece numa das salas da Galeria Lucio Amelio, em Nápoles – então dirigida por Paola Colacurcio, uma italiana há quatro anos radicada no Brasil -, imitando um "sismógrafo humano" sob uma mesa tirada do local do abalo.

Mais provocadores, contudo, são múltiplos como Evervess, de 1968, no qual uma garrafa de água mineral surge envolvida em feltro, e Objekt zum schmieren und drehen (Objeto para lubrificar e girar), de 1972, que mostra uma chave de fenda enfiada numa lata de graxa. Os dois trabalhos integram um conjunto de sete, incluídos na mostra. Mas o melhor exemplo da sua arte poderosa e contestadora é Bruno Cora – tea (Chá), de 1975. Consiste de uma caixa de madeira contendo uma garrafa de Coca-Cola cheia de chá, surrupiada do sr. Cora, um crítico ultracomunista que fez uma entrevista com Beuys.