Com plano de mudança de residência para breve, a professora paulistana Elizabeth Santana, 52 anos, já decidiu qual será a primeira aquisição para a casa que pretende montar em Selviria, no interior de Mato Grosso: um punhado de gatos. Ela não é propriamente fanática por felinos – em São Paulo, onde vive atualmente, não cria nenhum animal. Seu problema é o medo exagerado que tem de ratos. A aversão ao roedor é comum entre os seres humanos, mas no caso de Elizabeth o temor é de tal intensidade que se transformou em um distúrbio que vem ganhando destaque nos consultórios médicos nos últimos anos. A professora sofre de fobia, doença que afeta cerca de 14% da população mundial.

Como se vê, não é pouco. Quem não conhece histórias de pessoas que reagem temerosamente a certos animais, objetos ou situações? Muitas vezes esses momentos viram motivo de piadas, inclusive para o medroso em questão. A fobia, porém, não é brincadeira. Qualificado pelos psiquiatras como transtorno de ansiedade, o distúrbio gera alterações físicas e nervosas em quem padece do problema. Ante a perspectiva de se deparar com o que lhe assusta, o fóbico pode sentir tremores, suores e taquicardia. Em algumas situações, chega ao desmaio e até a ataques de pânico.

Atenção
Por causa de tamanha gravidade, as fobias vêm recebendo atenção da ciência. Mostra disso é o lançamento, nesta semana, do livro do psiquia-tra Tito Paes de Barros Neto batizado de Sem medo de ter medo (Ed. Casa do Psicólogo). Supervisor do Ambulatório de Ansiedade (Amban), do Hospital das Clínicas de São Paulo, Paes de Barros sabe bem o drama que enfrentam seus pacientes. Por isso, resolveu colocar em livro tudo o que já se descobriu sobre o distúrbio e também as soluções para o problema. "A doença passou a ser mais conhecida no Brasil a partir de 1996. E hoje as pessoas estão cada vez mais informadas, fazendo, assim, com que os casos apareçam mais", afirma.

De fato, a proliferação de dados e as atividades relacionadas à doença estão levando muitas pessoas a descobrir que aquele mal-estar que sentem só de pensar em matar uma barata ou entrar num avião é assunto sério. O resultado é que elas acabam engordando as taxas de incidência da doença, acendendo ainda mais holofotes sobre o distúrbio. No entanto, há outra razão para que as fobias ganhem mais atenção da medicina. Muitos especialistas acreditam que a vida moderna, com toda sua carga de violência, stress e desigualdades sociais, pode estar fazendo crescer o número de casos da doença. "O transtorno ansioso depende de facilitações do meio ambiente para aflorar. Com as características que as grandes cidades adquiriram, a população está mais exposta a situações de risco e é muito provável que isso contribua para o surgimento de manifestações fóbicas em pessoas que, de outra forma, teriam menos chances de vivenciar o problema", acredita Miguel Roberto Jorge, presidente da Sociedade Brasileira de Psiquiatria. A psicóloga paulista Cecília Bellina, que cuida exclusivamente de pessoas com medo de dirigir, concorda com Jorge. "As fobias estão crescendo por causa do stress. A vida moderna deixa todos mais temerosos", reforça. Desde que iniciou esse atendimento, há seis anos, já passaram por seus consultórios 1.200 pessoas.

Felizmente, muita coisa vem sendo descoberta sobre o problema, incluído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) numa classificação internacional de doenças vigentes no Brasil desde 1996. Sabe-se, por exemplo, que o transtorno ansioso fóbico costuma surgir entre o final da infância e o princípio da adolescência e o início da idade adulta, de acordo com a modalidade de medo. Hoje, a fobia está dividida em três tipos: específica (de objetos e situações), social (que afasta a pessoa do ambiente público por temer passar por momento vexatório) e agorafobia (medo de sentir medo e não contar com ajuda de alguém para resolver o problema). Entre as fobias específicas estão medos como os de animais, ambiente natural (água) e doenças. Acrescentem-se ao quadro os temores de dirigir carro e encarar ferimentos. Na fobia social, o problema são os outros. A expectativa da avaliação negativa alheia esmaga o sofredor desse distúrbio. Conduzir um veículo pode ser enquadrado nesse caso se o motorista evita dirigir porque se apavora com a idéia de ser criticado ou ridicularizado. Assinar cheques, escrever o nome, alimentar-se, iniciar ou manter conversas e falar ao telefone são motivos suficientes para afastar a pessoa do convívio com a sociedade. Ela prefere ficar só, o contrário do que ocorre com quem padece de agorafobia.

A comunidade médica ainda estuda as causas do distúrbio, mas já se podem apontar algumas razões. Uma delas teria raiz biológica. A fobia seria desencadeada por um desequilíbrio em alguns neurotransmissores, as substâncias responsáveis pela comunicação entre os neurônios. Esse desequilíbrio deixaria a vítima mais propensa a desenvolver o problema. Outra causa seria a carga genética de cada um. Sofrer com a visão de sangue, por exemplo, pode ser uma herança familiar. "Encontramos famílias nas quais vários parentes tinham essa fobia, o que é forte indício de que esse medo tem determinantes genéticos", explica Paes de Barros. Mas como todo problema que se relaciona à mente, seria simplista demais creditar a ocorrência das fobias somente a causas físicas. Há razões psíquicas e até educacionais para a manifestação do distúrbio. "Há pais que educam os filhos de forma bastante rígida, dizendo para não fazer isso ou aquilo. Podem gerar um fóbico social", afirma Paes de Barros. Por que alguém desenvolve fobia de altura e outro de água, porém, a ciência tradicional ainda não sabe responder. O que se conhece são as mais preponderantes. Segundo pesquisa americana, 13% da população dos Estados Unidos sofre do tipo social e 11% da específica.

Taxista particular

A advogada Ceci de Brito Costa, 35 anos, não tem medo de encarar o carro. Ela teme ser criticada no trânsito de São Paulo. Sofre de fobia social. Apesar de estar habilitada, Ceci deixou de dirigir por comodismo. Há três anos resolveu que voltaria para o volante. Não conseguiu. "Tinha vontade de chorar", emenda. Ceci procurou a ajuda da psicóloga Cecília Bellina em maio passado. Já roda com seu veículo. Mas ainda não dispensa o taxista que a acompanha há sete anos. (Foto: MARCELO MIN)

Um dos primeiros passos para combater o problema, porém, é definir se o que se sente diante de uma barata ou de um elevador é medo ou fobia. E para distinguir o medo comum do transtorno ansioso deve se avaliar a rea-ção ao motivo do temor. Se ela é exagerada e implica prejuízos para a vida acadêmica, profissional e social, é fobia. Mas, atenção. Muitas vezes, a doença fica mascarada devido a outra característica do fóbico: a esquiva. Quem tem medo de mergulhar, por exemplo, foge de praias. Como a maioria das pessoas não é obrigada a nadar, o problema pode ser contornado sem maiores dramas. Mas o que fazer quando um estudante de Educação Física sente pavor de enfrentar a água, a exemplo de um personagem que ilustra esta reportagem? Jogar o medroso logo numa piscina, como podem imaginar alguns, não é a saída. Também não se pode tratar do caso como se fosse mera frescura. "O leigo pode expor a pessoa a momentos de extremo pânico se acreditar que vencer o temor é só uma questão de força de vontade. Esse tipo de medo não se trata de covardia", explica o psiquiatra Miguel Jorge.

Na verdade, a partir do conhecimento maior sobre a doença, está sendo possível traçar algumas estratégias para combatê-la. Na medicina convencional, o tratamento mais eficaz criado até agora consiste em aliar medicamentos como os antidepressivos a uma técnica da psicologia batizada de terapia cognitivo-comportamental. O uso dos antidepressivos se justifica pela simples razão de que, em geral, algumas fobias acabam ficando associadas a um quadro de depressão. Nos casos de fobia social, por exemplo, a ocorrência de depressão chega a atingir 50% dos pacientes. É compreensível, já que as vítimas desse tipo do distúrbio acabam se isolando, temerosas de serem julgadas pelo olho alheio. Interessado em aprofundar o conhecimento sobre a relação entre a depressão e esse tipo de doença, o Amban, do Hospital das Clínicas de São Paulo, criou um projeto de pesquisa para testar a eficácia de antidepressivos aliados à terapia cognitivo-comportamental. Até o final deste ano, os primeiros resultados devem sair. Mas a agorafobia também é frequentemente acompanhada de depressão. Além disso, 80% das ocorrências de síndrome do pânico estão associadas a esse tipo de fobia e, nesse caso, também se indica o uso do medicamento. É importante saber que síndrome do pânico e fobia são problemas distintos. O pânico caracteriza-se por crises repentinas e recorrentes de ansiedade. No caso da agorafobia, a pessoa sofre somente com o temor de ser acometida por ataques.

Exposição
 

Banhos intermináveis

O estudante carioca Herbert Salles, 13 anos, é fã de reportagens de saúde, mas tem pavor de ficar doente. O menino diz que o fato de sua mãe, Kátia Salles, ter trabalhado em hospital contribuiu para a manifestação de seu temor. "Ela falava sobre problemas de pele. Então, fui tomando banhos sem parar. Eram quatro a cinco por dia. Parei um pouco com isso. Tenho mais medo de câncer", confessa. Herbert buscou ajuda com um psiquiatra para aprender a dominar o sentimento. (Foto: RENATO VELASCO)

A abordagem psicológica é, claro, mais complexa. O processo pode levar de três a seis meses para a criação de estratégias para lidar com o sofrimento. A idéia básica é expor a vítima aos objetos de sua fobia. Se o paciente tem medo de altura, por exemplo, o trabalho do terapeuta consiste, por exemplo, em acompanhá-lo em várias jornadas, subindo do primeiro andar para o segundo pavimento de um prédio. Nessa abordagem, questionam-se os sentimentos que vêm à tona ao fóbico durante o esforço, como o temor da queda. Outra técnica seria tentar induzi-lo a colocar pensamentos prazerosos – o encontro de uma pessoa querida – no lugar dos perturbadores.

Infelizmente, porém, esse não é um exercício simples. A primeira e talvez mais importante razão das dificuldades de se lutar contra a fobia é que o próprio paciente sabe que não se trata de uma coisa racional. Parece ridículo alguém ter medo de galinha? Parece, e quem tem fobia desse animal sabe disso. Mas o problema é que a vítima, embora não encontre motivos compreensíveis pela luz da lógica, simplesmente sente pavor quando confrontada com a pequena ave.Envie esta página para um amigo Por isso, os tratamentos da medicina convencional têm eficácia média de 50%. Por enquanto, a fobia não tem cura. Ela pode ser apenas controlada. Mas o interesse cada vez maior da ciência em resolver o problema permite vislumbrar uma perspectiva otimista em mais esta luta contra o medo.