Bateu na lata é bloco. Para o ano, é ano dois. Quem mora em Olinda e gosta de folia – e lá achar quem não goste é difícil – costuma repetir com orgulho as duas frases, uma síntese da facilidade para montar grupos animados no mais anárquico e espontâneo Carnaval do País. Neste ano, os pessimistas prevêem 700 mil pessoas, com picos de 900 mil, pipocando diariamente pelas ladeiras e vielas sinuosas de pedra, das cidades alta e baixa, no centro histórico. O Carnaval do Descobrimento – Olinda 2000 terá 243 troças (espécies de clubes de Carnaval), blocos, grupos carnavalescos e outras agremiações nas ruas, apenas entre o sábado 4 e a terça-feira 7 de março. São contas oficiais. Mas, como sempre, os cerca de 25 mil habitantes do centro histórico, reforçados por turistas do resto do Brasil e do Exterior, irão turbinar as estatísticas com pelo menos mais uma centena de grupos que chacoalham ao som de ritmos bem regionais como frevo de rua, frevo canção maracatu do baque virado, maracatu rural, frevo de bloco, laúça e bumba-meu-boi.

A comovente riqueza da cultura regional pernambucana terá tempo de sobra para se manifestar neste ano. No Nordeste, os quatro dias de Carnaval viraram, há muito tempo, o miolo de uma festa com pelo menos dez dias. Neste ano, Olinda exagerou. A prefeitura, que em matéria de Carnaval se limita a fazer o possível para não atrapalhar o que o povaréu insone cria, assinou embaixo: a folia do Descobrimento terá 15 dias. Começará no domingo 27 de fevereiro, com homens vestidos de mulheres no Dia das Virgens, e termina no dia 12 de março, a "segunda-feira de Cinzas", no 466 aniversário da cidadela fundada pelos holandeses. Na prática, o Carnaval já começou. No domingo 15 de fevereiro, as prévias incluíram desfiles dos blocos Palhaços de Olinda, Da Burrinha e O Egoísta, das troças Quase Que Não Sai e O Rei do Gado, além de um show de artistas populares no Largo do Amparo.

Filhos de papel
Uma das marcas principais dessa babel de ritmos e cores são os bonecos gigantes, peças de artesanato em gesso e papel com 2,60 a 3,40 metros de altura. É uma história bonita. Em 1932, depois de assistirem, num cinema local, a um filme americano em que um fantasma saía de um grande relógio para aterrorizar uma cidade, um grupo local criou a Associação O Homem da Meia-Noite, que tomava as ruas da cidade no primeiro minuto do sábado carnavalesco. O símbolo, um bonecão inspirado no fantasma da fita, ficou sozinho até 1967, quando ganhou uma companheira, a Mulher do Meio-Dia. Sete anos depois, os foliões geraram o primeiro filho do casal, o Menino da Tarde e, a partir daí, a coisa deslanchou. Surgiram outros "filhos", como os compositores Capiba, Jackson do Pandeiro e Nelson Pereira, o intelectual Gilberto Freire e a cantora Selma do Coco. Ao lado dos bonecos desses medalhões, homenageados por sua importância cultural, o bloco sai à meia-noite, na virada de sexta para sábado, com peças de foliões menos estrelados, que se dispõem a pagar entre R$ 2,5 mil e R$ 6 mil ao bloco para ver suas cópias ampliadas descendo a ladeira.

O bloco O Homem da Meia-Noite é uma das atrações mais esperadas. "Criei 383 bonecos nos últimos 15 anos. Cobramos por algumas peças como forma de atender a quem nos procura e gerar recursos para manter a estrutura, que não é barata", explica o carnavalesco Silvio Botelho, um dos diretores do bloco e administrador da Casa dos Gigantes, onde produz e guarda seus filhos de papel e cola. Neste ano, o Carnaval de Olinda terá uma homenageada especial. É a garota Saffira dos Reis, dez anos, espécie de embaixatriz do frevo na cidade. Ela ganhou um boneco com sua imagem que sairá no Bloco da Saf-fira. "Fui a vários países divulgar nossa cultura. Por isso, serei a primeira criança homenageada pelo bloco", festeja a menina. "O Carnaval de Olinda não vive de marketing falso ou invenções oportunistas. Tudo aqui é determinado pela vontade popular e o regio-nalismo. Esse caldo cultural está preservado e é a grande força", teoriza o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença, jogado numa cadeira de couro no segundo andar de seu belo sobrado, no centro histórico.

Apaixonado por Olinda, Alceu, homenageado oficial da cidade em 1996, é um dos pontos altos da festa. Todos os anos, ele enche a casa de estrelas e a varanda de instrumentos e aparelhos musicais. Neste Carnaval, Alceu vai liderar sua multidão na pele do descobridor Pedro Álvares Cabral. Não bastasse, nas viradas de sábado 4 para domingo 5 e de quarta-feira 7 para quinta-feira 8, às três da madrugada, fará shows no Jacaré, um dos sete pólos de eventos que serão montados nos arredores do centro histórico.

A estrutura melhora para abrigar multidões, mas o que prevalece no final é a criatividade do folião romântico. O turista de primeira viagem não deverá se espantar se alguns malucos invadirem a casa em que ele estiver hospedado, às sete da manhã, puxando uma corda, aos gritos de A-corda!, A-corda! É um bloco. Ou se encontrar pela rua um outro grupo carregando uma porta, que serve de palco para rápidos strips de moças bonitas. É outro bloco. Surgiu há 13 anos, quando o jornalista pernambucano Kennedy Michilis foi parado pela multidão ao tentar levar uma porta da casa de uma amiga para outro local. Um grupo de paulistas que visitou Olinda no Carnaval de 1988 e voltou no ano seguinte fundou o Voltamos, Porra! Naturalmente, faz sucesso entre os paulistas. Mole Não Entra, Segura o C. e C. Voador são outras atrações que deixam desconcertados os repórteres de tevê obrigados a entrarem com flashes ao vivo no momento em que eles passam.

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