A semana passada colocou ponto final em duas brigas que se arrastaram por mais de quatro anos e colocaram em lados opostos governo e imprensa. Na Argentina, a presidenta Cristina Kirchner, enfraquecida na saúde e na política, encontrou forças na Corte Suprema. Na terça-feira 29, os juízes declararam constitucional a Lei de Mídia, que limita a quantidade de licenças de rádio, tevê aberta e tevê paga para os grupos de comunicação do país. O Clarín, principal responsável pela veiculação de denúncias e críticas ao governo, possui, além de jornais e revistas, canais de rádio e tevês, de onde vem a maior parte do faturamento anual de cerca de US$ 2 bilhões, e terá que se desfazer de ativos para cumprir a nova lei. No dia seguinte, na Inglaterra, a rainha Elizabeth II sancionou a criação de um órgão estatal de regulação da imprensa britânica. A aprovação da carta real escrita pelo Parlamento ocorreu na mesma data em que o tribunal criminal de Old Bailey, em Londres, deu início ao julgamento dos editores do jornal “News of the World” acusados de envolvimento no escândalo de escutas telefônicas ilegais.

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ABUSOS
Rebekah Brooks (acima) era editora do jornal inglês
“News of the World” na época do escândalo dos grampos ilegais.
Já Cristina Kirchner (abaixo) quer enfraquecer um jornal opositor

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No caso argentino, o esforço pela desconcentração dos meios de comunicação e o estímulo para a concorrência significam, a priori, um sinal positivo. Pela nova legislação, um conglomerado só pode ter 35% de cada mercado em que atua. O problema é que a Lei de Mídia encobre, na verdade, a intenção de controlar a imprensa. Com ela, Cristina procura atingir precisamente seu maior rival, o “Clarín”, num momento em que o jornal e seus braços empresariais subiram o tom das denúncias de corrupção contra o governo. Só na tevê paga, o Clarín domina 59% do setor. “Os Kirchner têm uma incompatibilidade com a imprensa porque concebem os atores da sociedade como amigos ou inimigos e não permitem aos atores autônomos ter posições críticas”, disse Martín Etchevers, porta-voz do conglomerado, em entrevista exclusiva à ISTOÉ em maio. “A imprensa, que por sua própria natureza deve questionar tudo, sempre será uma inimiga para os Kirchner.” Nem sempre foi assim. Néstor Kirchner, marido de Cristina morto em 2010, considerava o Clarín um aliado e mantinha uma relação próxima com seus jornalistas até 2008, quando sua mulher já ocupava seu lugar na Casa Rosada. O governo acusou o Clarín de traição depois que o grupo ficou do lado dos ruralistas num confronto sobre aumento de impostos. Após a ruptura, o Clarín passou por uma blitz de agentes da Receita Federal, foi acusado de ter sido cúmplice da ditadura militar e de praticar concorrência desleal, sofreu cortes de publicidade pública e até a interferência do governo numa reunião de acionistas (leia quadro).

Na Inglaterra, o jornalismo passou para a esfera criminal quando a Polícia Metropolitana de Londres começou a investigar, em janeiro de 2011, denúncias de grampos de telefones de pessoas citadas em reportagens do “News of the World”, tabloide do grupo News Corp, do magnata Rupert Murdoch. Entre as vítimas estavam celebridades, políticos, membros da família real, concorrentes e até vítimas de crimes, como uma garota de 13 anos desaparecida. O tabloide, então o mais vendido do país, foi fechado seis meses depois, e sua editora-chefe, Rebekah Brooks, foi presa. De acordo com a promotoria, o investigador particular Glenn Mulcaire recebeu o equivalente a mais de US$ 600 mil durante os seis anos em que contribuiu para as escutas do jornal. A promotoria revelou ainda que Rebekah e seu colega Andy Coulston, que a sucedeu na editoria do jornal, tinham um caso amoroso secreto e uma “profunda relação de confiança” durante o período em que teriam conduzido o esquema.

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Embora a imprensa britânica já tivesse um órgão responsável pela autorregulação da mídia, com representantes da própria indústria, os parlamentares concluíram que ele foi incapaz de prevenir e punir o escândalo do “News of the World”. De acordo com o jornal britânico “The Guardian”, que manteve posição neutra em relação ao novo aparato regulador, a maioria dos grupos de comunicação tem planos de boicotar a legislação porque a considera “uma ameaça de políticos a séculos de liberdade de imprensa”. No novo sistema, que não deve ser implantando antes de 2015, os veículos estarão sujeitos a multas de até US$ 1,6 milhão, caso desrespeitem a lei.