Foi daqueles raros momentos em que a humanidade parece ser tomada por um sentimento de comunhão. Na quarta-feira 11 – para muitos místicos, a data do fim do mundo –, cerca de dois bilhões de pessoas na Europa, no Oriente Médio e no Sul da Ásia pararam para assistir ao último eclipse total do Sol neste milênio. Multidões posicionaram-se em praças, ruas e telhados e viraram seus olhos para o céu à espera do evento. À medida que a Lua invisível começava a cobrir o Sol, os espectadores reagiam com surpresa e euforia. Em alguns lugares, surgiram aplausos espontâneos. Em outros, fiéis dos mais diversos credos cantaram e rezaram ao lado de cientistas fascinados, executando todo tipo de medição. Na maioria das cidades, o que houve foi, sobretudo, um grande e pacificador silêncio. Um breve instante – não mais de dois minutos e meio – suficiente, porém, para afagar a alma.

O papa João Paulo II, apaixonado por astronomia, terminou mais cedo um encontro com peregrinos para ver da sua residência de verão em Castel Gandolfo a interposição da Lua entre o Sol e a Terra. Em Londres, o pregão da Bolsa foi interrompido e os corretores saíram para a calçada. Mais tarde, a Câmara de Comércio calculou em US$ 800 milhões as perdas com a paralisação de empresas em toda a Grã-Bretanha, mas quem estava preocupado com isso? Ninguém queria perder o eclipse. O astronauta francês Jean Pierre Haigneré viu o fenômeno a bordo da estação espacial russa Mir, e disse que a sombra parecia "um dedo pousando sobre a Terra." Em Paris, uma multidão ruidosa, diante da loja de Paco Rabanne, riu das previsões do estilista, que dizia que a estação cairia sobre a cidade no momento do eclipse.

A sombra da Lua percorreu em três horas uma trajetória de 14 mil quilômetros, da costa do Canadá ao golfo de Bengala, na Índia. Passou longe do Brasil, mas muita gente ficou ouriçada, por associar o eclipse ao fim do mundo ou ao começo de uma nova era. No parque do Ibirapuera, em São Paulo, entre fumos de incenso, dezenas de pessoas vestidas de branco e carregando amuletos sentaram-se na grama para meditar. "O novo tempo vai ser regido pela cultura do ser, e não do ter", acreditava o músico Alexandre Vitale. Ainda na capital paulista, um pequeno grupo de pessoas ficou particularmente assustado. Quando distribuiu o convite para o lançamento de seu livro, Milagres, curas e bênçãos – bate e a porta se abrirá, da coleção Linha direta com Deus, a escritora Biba Arruda não se deu conta de que a data coincidia com o anunciado Apocalipse. Muitos de seus convidados arregalaram os olhos quando leram a mensagem do convite: "Você tem um encontro marcado com Deus Pai no dia 11 de agosto." Por via das dúvidas, a maioria atendeu ao chamado.

A mágica estava no ar. Na mística Alto Paraíso, em Goiás, o líder espiritual Ergon Abraham arregimentou 70 adeptos da seita Fundação Arcádia para subir um morro sob um sol de rachar e fazer o que chama de uma Mandala Celeste na tentativa de entrar em contato com ETs. "Cerca de um milhão de pessoas ao redor do mundo participaram desta mandala, marcando mais um passo na evolução da humanidade", dizia Ergon. Longe dali, no Rio, o suposto fim do mundo foi celebrado com humor. Na boate Hipopotamus, em Ipanema, um segurança vestido de Dr. Morte saudava um público afoito para se esbaldar na pista de dança. Fantasiado de Nostradamus, o ator Leonardo Arantes, 23 anos, brindava os convidados com biscoitinhos da sorte recheados com "profecias" escritas numa tira de papel. "A vida noturna é para você" e "Em juventude e beleza, a sabedoria é rara" eram algumas das mensagens. Houve quem levasse o fim do mundo a sério. No interior da Paraíba, na terça-feira 10, o agente penitenciário Jaime Geminiano tinha tanta certeza de estar vivendo os últimos momentos do planeta que se compadeceu dos três detentos da delegacia de Picuí e descerrou os cadeados. Depois de enxugar duas garrafas de cachaça com os presos, ele disse: "Amanhã o mundo vai acabar e vocês estão livres." O único detento sóbrio o bastante para caminhar chegou à beira da estrada mais próxima e pegou carona num caminhão do Exército. Contou toda a história para os soldados, que o reconduziram, rapidinho, de volta à cela. Dos males, o menor.

Colaboraram: Adriana Holanda (SP), Celina Côrtes e Valéria Propato (RJ) e Eduardo Hollanda (Alto Paraíso)