Na Jerusalém de 1947, um ano antes da criação do Estado de Israel, Prófi, um menino de 12 anos, tenta entender o significado da palavra traição. Um pouco sem querer, ele trai o pai, um sionista ortodoxo, ao criar com dois colegas uma organização de resistência à ocupação inglesa. Já adulto, trai a organização ao se aproximar de um "inimigo", o sargento britânico Dunlop, a quem ensina hebraico. Depois trai o sargento com a mulher que ele ama e, por fim, trai esta mulher, revelando aos pais que ela passara a noite com um homem na casa deles.

Num país e numa época de extremismos – quem não era fanático era traidor –, é curioso acompanhar os dilemas e inquietações morais do narrador, evidentemente inspiradas na infância do próprio Amós Oz, que é, desde os anos 80, o escritor israelense de maior projeção internacional. A pantera no porão (Companhia das Letras, 144 págs., R$ 18,50) pode ser descrito como um romance de formação às avessas, já que o mundo que Prófi começa a descobrir é tão contraditório que fica difícil extrair dele alguma lição. Se no começo da história Prófi tem crenças e ideais, aos poucos ele vai mergulhando no ceticismo e no relativismo.

Mais uma vez, Oz entrelaça o drama coletivo do povo israelense com a trajetória emocional-existencial de um indivíduo – o que não é fácil, mas nem por isso deixa de ser uma fórmula. Sua preocupação é menos passar uma mensagem do que criar uma atmosfera estranha, em que as habituais reminiscências infantis são subvertidas pela presença massacrante da política. O instante em que o garoto vê o pai chorando mostra o talento literário de Oz. Menos feliz é a caracterização dos personagens secundários. Outro problema é que, como acontece com frequência nos romances estruturados em forma de memórias da infância, o narrador hesita entre escrever como adulto ou como a criança que foi.