Têm a impressão digital do presidente Fernando Henrique Cardoso as crescentes pressões por uma mudança que abrevie a recessão e crie as condições para uma retomada do crescimento. Na noite da quarta-feira 4, num jantar com o líder do PSDB na Câmara, FHC concordou sobre a necessidade dessa correção de rota da política econômica. Revelou ainda que instruiu o ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, a pressionar o colega da Fazenda, Pedro Malan, a afrouxar as amarras que mantêm a economia brasileira e a popularidade presidencial no fundo do poço. Horas antes, numa reunião no Palácio da Alvorada, o presidente havia dado um exemplo de como pretende agir a partir de agora com a equipe econômica. Depois de dar a contragosto o sinal verde para uma novo aumento nos preços dos combustíveis, Fernando Henrique atropelou Malan e seus assessores. Ignorou os argumentos da Fazenda, que insistia em atrelar os preços dos combustíveis à variação do petróleo no mercado internacional, e decidiu mudar a política de reajustes que vinha sendo usada para fazer caixa e cumprir o acordo com o Fundo Monetário Internacional. "Esse é o último reajuste do ano e acabou", decretou. Foi a primeira trombada. Se depender do ânimo da sociedade, virão outras. Nesta terça-feira 17, um "caminhonaço", organizado por produtores rurais de todo o País, vai desfilar pela Esplanada dos Ministérios. O objetivo do movimento é forçar o governo a fazer uma renegociação camarada das dívidas do setor rural, que acumula mais de R$ 30 bilhões em débitos com o sistema financeiro. Uma insanidade. De volta das férias parlamentares e com o foco voltado para as eleições municipais do próximo ano, os aliados políticos do governo engrossam o coro com a defesa de uma "flexibilização" da política econômica, um eufemismo para cobrar a abertura dos cofres públicos trancados pelo cadeado do FMI. "Não dá para fazer gastança, mas é possível abrir uma torneirinha", admite o líder do governo no Senado, José Roberto Arruda (PSDB-DF). "É preciso uma pitada social. Se for necessário, o acordo com o FMI terá de ser revisto", reforça o líder do PFL na Câmara, deputado Inocêncio Oliveira (PE).

 

Luz de alerta – Na esteira dessa insatisfação generalizada com a recessão, os tucanos e o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, elevaram o tom das críticas e acabaram colocando Malan na frigideira. Com o aval do governador de São Paulo, Mário Covas, o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros colocou em xeque a capacidade do ministro da Fazenda de promover as mudanças econômicas que o tucanato julga necessárias. Isso não estava no script de FHC. Pelo roteiro de Fernando Henrique, Malan terá de mostrar jogo de cintura para ao mesmo tempo fazer o amargo ajuste fiscal que ele mesmo negociou com o FMI e adotar medidas capazes de dar algum oxigênio à economia. E mais: reverter a queda livre da popularidade presidencial. Pesquisa do Ibope divulgada pela Confederação Nacional da Indústria na quarta-feira 11 revelou que a rejeição a FHC continua crescendo e que apenas 16% avaliam positivamente o governo. Até mesmo na elite empresarial, o governo vai mal das pernas. Num levantamento inédito feito pela Fiesp entre empresários paulistas, a administração Fernando Henrique recebeu nota quatro numa escala de zero a dez. "Os empresários querem que a política econômica dê prioridade ao desenvolvimento", interpreta o presidente da Fiesp, Horácio Piva. Para acalmar o empresariado, o Planalto despachou o ministro Clóvis Carvalho para uma visita à sede da Fiesp na tarde da última sexta-feira. Conciliar ações de desenvolvimento com ajuste fiscal, porém, é uma linha fina difícil de ser percorrida. O receio de que uma troca de guarda no Ministério da Fazenda pudesse agravar ainda mais o quadro econômico causou na última terça-feira queda nas Bolsas de Valores, desvalorização dos papéis brasileiros no Exterior e alta do dólar.

A reação do mercado acendeu imediatamente uma luz de alerta no Planalto. O secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira, e o ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, entraram em campo para baixar o fogaréu contra Malan. Na manhã da terça-feira 10, convenceram ACM a recolher armas. Instruíram o ex-deputado Moreira Franco a buscar, com a ajuda do ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, uma trégua com o PMDB. O resultado saiu melhor que o esperado. Numa reunião à noite na casa do presidente da Câmara, deputado Michel Temer, a cúpula peemedebista avaliou que nada tinha a ganhar com a queda de Malan. Politicamente, ela só interessaria aos tucanos e ao senador Antônio Carlos que têm candidatos para a Fazenda. "Não vamos engrossar a onda para os tucanos surfarem. Vamos tirar a prancha deles e sair em socorro do Malan", propôs o presidente do partido, senador Jader Barbalho. Ausente da reunião, Temer estava na casa ao lado num jantar à luz de vela em que se reconciliou com ACM. Assim que voltou do jantar, o presidente da Câmara foi informado da decisão e telefonou para Malan com o objetivo de convidá-lo para um almoço no dia seguinte. Com o apoio do PMDB, o Planalto também partiu para a ofensiva. Na manhã da quarta-feira, escalado por Fernando Henrique para defender Malan e responder às críticas de Mendonça de Barros, Pedro Parente aproveitou uma reunião da equipe econômica e ensaiou o tom do contra-ataque. Saiu com uma lista de petardos . "Diz que o professor Luiz Carlos Mendonça de Barros está onde está porque fala o que fala", sugeriu um diretor do BC. Parente, porém, preferiu pegar mais leve. Classificou as críticas de Mendonção de irrelevantes.

A rede de proteção armada para segurar Malan não significa, porém, que as pressões para a mudança da política econômica serão arrefecidas. "Nós deixamos claro que tem de haver um redirecionamento da política. Não dá mais para a estabilidade ser um entrave ao crescimento", condicionou Temer. O PMDB espera também uma contrapartida pelo apoio a Malan. A expectativa é de que a partir de agora os ministérios comandados pelos peemedebistas sejam aquinhoados com mais verbas. Malan, porém, terá dificuldades em arranjar um jeitinho para agradar a seus novos aliados. Fiscais do FMI acompanham a liberação mensal das verbas na boca do caixa do Tesouro. Com isso, querem assegurar o cumprimento da meta de um superávit primário de R$ 25 bilhões. "É muito sacrifício só para pagar juros. O Malan sabe que, se não promover as mudanças mesmo à custa de negociações mais difíceis com o FMI, voltará à linha de tiro", adverte um cacique peemedebista. Os políticos governistas acreditam que uma postura mais flexível da equipe econômica no controle do caixa causará alguns choques com o Fundo, mas não a ponto de provocar uma ruptura do acordo que não interessa a nenhuma das partes. Avaliam que o governo tem uma margem de manobra para negociar, porque o País tem sido um aluno obediente ao receituário recessivo e ajudou a dar um verniz na surrada imagem do FMI, que perdeu credibilidade internacional na crise asiática.

 

Medidas populares – Em meio ao tiroteio, a turma de Malan evita bater de frente com os aliados e tenta ganhar tempo na expectativa de que nos próximos meses a economia comece a se recuperar e a gerar empregos. A estratégia é tentar segurar o ajuste e administrar as pressões. Para mostrar serviço, vão ser tomadas medidas de apelo popular. Estão em estudo fórmulas para forçar os bancos a diminuírem os juros cobrados das empresas e no crédito ao consumidor um novo programa para financiar a construção de moradias e o aumento dos recursos para a agricultura. Na defesa da trincheira do ajuste, a alegação da equipe econômica é de que ainda persistem dificuldades para o equilíbrio das contas. A Justiça, por exemplo, está suspendendo a cobrança da CPMF em vários Estados. O cenário internacional também anda complicado: os Estados Unidos devem subir mais os juros, tirando dólares da economia brasileira, e a Argentina está na corda bamba. O problema é saber se esse gradualismo do governo será capaz de conter as cobranças que só tendem a aumentar. Além do "caminhonaço" dos ruralistas, a marcha do MST contra o desemprego está a caminho de Brasília e as oposições prometem colocar 100 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios num protesto contra o arrocho. É nessa trombada com o Brasil real que a estratégia governista vai enfrentar o seu verdadeiro teste.