Em outubro, Fernanda Montenegro faz 70 anos. A data de aniversário não lhe sai da cabeça. "Só agora estou pensando nesse negócio, compreende? É uma coisa muito estranha, estranhíssima…" O espanto faz sentido. "Até trocaria meu corpo, minha cara, meus papos. Não sou imbecil. Só que a morte virá certamente e a finitude física machuca." Fernanda deu para refletir sobre o assunto nos últimos dias, enquanto acertava os detalhes finais da exposição sobre sua vida e carreira, em cartaz no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Além de fotos, Fernanda EnCena: retrospectiva 50 anos exibe cartas, prêmios, filmes e figurinos da sua robusta trajetória artística, iniciada em 1946, nos programas radiofônicos da Rádio MEC. Apesar de a data carregar um certo peso, Fernanda não está melancólica. Seu bom humor é invejável, mas admite que mexer no baú fragiliza e fortifica ao mesmo tempo. A mostra, ela explica, é uma forma de encarar essa "egotrip".

A história de Fernanda Montenegro – escolhida pelos leitores de ISTOÉ como a atriz do século – será contada num cenário repleto de grandes camarins e imagens de cena em tamanho natural. Aparecem flagrantes da infância, os primeiros passos no teatro amador, o ingresso no lendário Teatro Brasileiro de Comédia, a criação do Teatro dos Sete, as peças que lhe garantiram meia dúzia de prêmios Molière como As lágrimas amargas de Petra von Kant (1982) e as aventurosas produções durante o regime militar, que ainda arrancam gargalhadas da atriz. "Na peça A volta ao lar, o Ziembinski fazia um açougueiro que dizia ao irmão motorista de táxi que não sabia diferenciar a caixa de marcha do olho do c…", lembra. "A censura cortou o palavrão e Ziembinski foi barganhar. Deu à censora todos os outros palavrões da peça. Dizia: ‘Me leve o cagalhão, a bimbada, mas, por favor, não corte o meu olho do c… que a senhora acaba com o meu papel.’ E ela não cortou", diverte-se Fernanda.

Dos 18 módulos em que foi dividida a exposição, dois são dedicados ao marido, o também ator Fernando Torres, diretor de sete espetáculos de grande sucesso da atriz. "Ele é meu esteio, me suportar heroicamente não é fácil", brinca. A recíproca é verdadeira. Foi graças ao trabalho silencioso da mulher que Torres se recuperou de uma longa crise de depressão. "A gente entra mesmo nesses buracos, não tem jeito. Ajudei-o com a convicção de que aquilo passava", confessa. Fernanda EnCena fica no Rio de Janeiro até 7 de setembro e segue para outras sete cidades brasileiras, incluindo São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Em todas Fernanda Montenegro vai junto, acompanhada por uma equipe de 17 pessoas e dois caminhões de recordações. Quando a maratona terminar, ela pretende continuar na estrada fazendo workshops de dramaturgia. "Pertenço a uma geração remida. A essa altura, posso me dar ao luxo de fazer o que quiser. O que vier é lucro."