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A s novas gerações talvez não saibam que a maçã-verde usada nos anos 1960 como logo da gravadora dos Beatles não saiu da mente de John Lennon ou Paul McCartney: a marca veio de uma tela do artista surrealista belga René Magritte (1898-1967) chamada “O Jogo da Mora”. O mesmo se deu com o símbolo da rede americana CBS, copiado na década de 1950 do óleo “O Espelho Falso”, que mostra um olho cuja íris reflete um céu azul entrecortado por nuvens. Amplamente surrupiada desde essa época, a obra de Magritte foi tão popularizada por artistas gráficos que se tornou quase sinônimo de imagem publicitária. Basta folhear qualquer revista: sempre existirá um anúncio em que o objeto à venda vem embalado numa aura de mistério e magia, procedimento que está na origem das criações do pintor.
É com esse estatuto de ícone pop que sua produção ocupa as salas do Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York, na exposição “Magritte: The Mistery of The Ordinary, 1926-1938”. “É o período mais inventivo e experimental de sua carreira prolífica”, disse à ISTOÉ a curadora Anne Umland.

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ESTRANHEZA
As obras “A Condição Humana”, “O Tempo Paralisado” e
“Os Amantes” sintetizam o estilo de René Magritte (acima), que, como
Charles Chaplin (abaixo), fez do chapéu-coco uma de suas marcas

Não é por acaso que essa fase, que corresponde a sua produção inicial em Bruxelas e seu encontro com o grupo surrealista em Paris, reúne as telas que mais influenciaram a visualidade contemporânea e que, de certa forma, previram até os truques do photoshop. Entre as 80 peças da exposição aparece, por exemplo, o quadro “A Condição Humana”, em que uma paisagem vista da janela encerra uma tela dessa mesma paisagem, artifício utilizado por designers gráficos ao ponto de se converter em clichê. “Ele queria mostrar a realidade de forma incômoda e estranha e usava a metamorfose, o duplo, a repetição, o efeito especular e a ocultação”, acrescenta Anne. Isso pode ser observado em outro clássico, “O Tempo Paralisado”, que antecipa os efeitos digitais. Para o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar, a apropriação do seu estilo acontece pelo fato de ele usar, sob o manto surrealista, uma técnica realista. Ou seja, Magritte reproduzia os objetos com grande fidelidade e, ao impregná-los de mistério (como determina o título da exposição), acabava por torná-los sedutores ao olhar – e é isso o que quer a publicidade. “Se você mostra o objeto envolto de magia, você ganha o freguês”, diz Gullar.

O grande desafio da retrospectiva é, portanto, mostrar que, mesmo vítima da diluição, as imagens de Magritte sobrevivem como grandes enigmas visuais. O melhor exemplo é “Os Amantes”, que retrata um casal se beijando sob um manto branco, para muitos uma reminiscência da visão que teve de sua mãe morta – ela suicidou-se quando ele tinha 13 anos. Potentes como essa obra existem muitas outras, a maioria questionando a representação da realidade e prenunciando a arte conceitual dos dias atuais. “Nosso objetivo foi tornar isso claro com telas como ‘A Traição das Imagens’. Mas ele o fez sem se afastar dos temas e estilo desenvolvidos no surrealismo”, diz Anne.

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Sempre enfiado em ternos pretos, Magritte fez de um adereço pessoal a sua marca: o chapéu-coco. Ao contrário de Charles Chaplin, que satirizava a burguesia com seu vagabundo de mesmos trajes (só que aos farrapos), o artista belga fazia desse tipo elegante o ser vazio e anônimo das multidões. Dizia que pintar era cansativo porque sempre exigia muita reflexão. Não seria exagero afirmar que sua arte 
é puro pensamento. 


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