Os olhos sonolentos de quem passou às seis da manhã da quinta-feira 15 diante de um prédio novíssimo, perto da avenida Paulista, em São Paulo, arregalaram-se. Diante de umas 50 pessoas em trajes formais, um pequeno grupo no topo dos degraus da entrada exibia, sobre discretos ternos e tailleurs, mantos de lã e algodão enfeitados com plumagens. Eram neozelandeses da etnia maori convocados, com uma comitiva de empresários, para a abertura do consulado da Nova Zelândia em São Paulo, o primeiro no Brasil. Logo que o sol despontou, os cinco maoris, junto do ministro do Comércio Exterior, Lockwood Smith, e da consulesa Janet Malcom moveram-se para o saguão, entoando uma canção grave. Velozes elevadores levaram a cerimônia até o 14º andar, onde os oficiantes guiaram uma rápida procissão pelas salas do consulado.

Esse ritual, o Hiki Tapu, destina-se à limpeza espiritual do lugar. Ele exige a presença de uma virgem para invocar a pureza que se quer manter. Isabella Toledo, oito anos, cuja mãe, Kate, pertence à minúscula colônia neozelandesa no Brasil, foi uma impecável participante. Rituais maoris marcam as datas importantes da vida na Nova Zelândia – inaugurações, batizados e até finais de campeonatos. Os maoris representam 13% de uma população de origens variadíssimas, com predominância inglesa. Mas as tradições maoris são reverenciadas por todos. "Os velhos das várias tribos é que as transmitem aos jovens", explica Ani Wickliffe, uma das oficiantes do Hiki Tapu. As lições incluem a confecção dos mantos, um processo manual que não admite sequer agulhas. A trama e os barrados são feitos num bastidor e minúsculos pontos prendem as plumas. Faz parte também do material do Hiki Tapu uma garrafinha de água-benta. Na Nova Zelândia, a cultura branca e a maori convivem com tanta naturalidade que um dos oficiantes da cerimônia, Robert Schuster, pertence também à igreja anglicana. "São modos diversos de exprimir o sentimento religioso", explica.

 

Clandestinos No Brasil, cantorias e mantos de plumas não combinam com vida diplomática. Afinal, na nossa, atabaques de candomblé não frequentam embaixadas e plumas brasileiras só adornam festas indígenas e fantasias de Carnaval. A mãe-de-santo Sylvia de Oxalá, que preside em São Paulo um seminário para a formação de pais-de-santo, acredita que 95% dos brasileiros recorrem ao candomblé para seus problemas pessoais, mas têm vergonha de admitir. A cultura branca é dominante, mas ela acha que as tradições africanas começam a abrir espaço. Ela tem se ocupado, em companhia do rabino Sobel e do arcebispo dom Claudio Hummes, de uma programação religiosa conjunta para a chegada do ano 2000. Já era tempo.