Os traficantes de Jundiaí, município a 60 quilômetros de São Paulo, estão usando novos métodos para recrutar adolescentes dispostos a vender drogas. Os chefões do tráfico na cidade oferecem vale-refeição e até bolsas de estudo em bons colégios. Os garotos também ganham motocicletas e viagens pagas ao litoral nos fins de semana, como prêmio pelo aumento da produtividade. Como nos morros cariocas, os traficantes passaram a ser vistos como heróis em favelas e áreas pobres da cidade. "Eles ajudam as pessoas mais do que um prefeito. Dão dinheiro, remédios e comida na favela e levam doentes para o hospital em seus carros. Pagam contas e até mobiliam casas para agradar as mães dos meninos que estão no esquema", revela R.K.M., 18 anos, que passou nove meses na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) depois de ser preso em Jundiaí, no ano passado, com 68 papelotes de crack. "Eu ganhava R$ 2,5 mil por mês. Ultimamente, meu papel era fazer o recolhimento do dinheiro."

Na maioria das vezes, os pais sabem do envolvimento do filho com o tráfico de drogas. Eles percebem a mudança de vida dos garotos, que começam a comprar roupas caras e tênis da moda e a trazer aparelhos de vídeo e televisão para casa. A maioria, porém, finge não ver porque precisa desse dinheiro. Os meninos trabalham, em média, seis horas por dia. Ganham, como aviões (distribuidores de drogas), em média, entre R$ 300 e R$ 500 por semana. Em outros tipos de emprego, dificilmente conseguiriam mais de R$ 100 ou R$ 200 por mês.

"ÉRAMOS UMA FAMÍLIA"
"Eu ganhava R$ 150 por semana no tráfico. Antes, era office-boy e tirava só R$ 250 por mês. Comecei com 14 anos. Pegava a droga e levava de um lugar para o outro. Todos os meninos de lá estudavam. Eu estava no primeiro colegial, mas parei. Com o pessoal da boca, a gente sempre tirava um lazer. Ia para clubes e para a praia nos fins de semana. O pessoal alugava uma Topic e viajava. Tem patrão que dá tíquete de refeição e motocicleta. É tipo um pai da gente, uma família. Também compra cestas básicas e dá na favela. Quando alguém fica doente, ele leva para o hospital. Também dá remédio. Alguns meninos ganham moto, mas outros vão pagando aos poucos."
M.A.P., 17 anos

Um papel do Estado A seu modo, os traficantes também assumem um papel que caberia ao Estado: estimular o adolescente a frequentar a escola. "O patrão (dono de ponto-de-venda) sempre incentiva a gente a estudar", diz M.A.P., 17 anos, internado na Febem há um ano depois de ser pego distribuindo drogas nas ruas da cidade. Um jovem comerciante de Jundiaí, D., usuário de cocaína, relata que um patrão – que ele chegou a conhecer e até a frequentar a casa – paga colégios bons aos meninos e exige que todos estudem. "Nas três melhores escolas daqui têm moleques colocados por ele", assegura D.

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É claro que não existe só benemerência aí. O investimento no jovem vendedor também teria o objetivo de criar novos consumidores na escola. Os meninos escolhidos para tal missão precisam ter boa aparência e andar sempre bem arrumados. São escolhidos garotos que também tenham famílias – pelo menos aparentemente – bem estruturadas."É claro que tem gente colocada nas escolas", confirma R.K.M. "Mas nem todo o mundo vende só porque está na miséria. Tem também boyzinho que quer ganhar dinheiro para comprar carro e moto."

 

Salários vultosos O recrutamento de crianças e adolescentes para a distribuição de droga é uma prática comum, por ser mais rentável e menos arriscada. Primeiro, porque o menino pego em flagrante vai para a Febem, de onde teria mais facilidade de sair. Segundo: a reposição do "funcionário" também é mais fácil. Em bairros pobres de Jundiaí, como Tarumã e Jardim São Camilo, existiriam hoje filas de crianças e adolescentes "prontas" para trabalhar no tráfico. Muitos garotos que começaram como olheiros chegaram até aos postos de dono de boca ou gerente. Um proprietário de ponto-de-venda chega a receber, numa boca forte, de R$ 4 mil a R$ 12 mil por mês, estimam os garotos.

Essa soma vultosa também pode estar ao alcance de adolescentes, garante R.K.M. "Na favela São Camilo quem comandava o esquema era o Mineirinho, que devia ter uns 15 ou 16 anos. Dizem que ele chegou a comprar um monte de cabeças de gado. Ele foi para a Febem. Inventaram que um parente dele tinha morrido para deixarem ele ir ao enterro e aí mataram ele." Esse não é o único caso de um poderoso chefão menor de idade. O ex-ajudante de mecânico G.R.O., outro soldado do tráfico, orgulha-se de ter sido um dos responsáveis por uma boca, quando tinha pouco mais de 16 anos. "Muitas vezes, eu carregava mais de um quilo de crack na cintura, levando a droga de um ponto para o outro e fazendo o reabastecimento", conta o rapaz, filho de um operário e empregada doméstica, hoje com 18 anos. "Dois menores trabalhavam para mim e eu dava dinheiro para eles almoçarem em restaurantes todos os dias. Eram moleques que não tinham família, que tinham saído da escola e ficado nisso." Preso no início do ano passado, depois de um tiroteio com a polícia, G. também passou 11 meses na Febem e saiu em maio. A Prefeitura de Jundiaí mantém um programa de atendimento a crianças carentes, mas seus educadores alegaram não ter conhecimento de esquemas organizados por traficantes para estimular a venda de drogas por adolescentes na cidade.

"QUEM SAI INDICA OUTRO"
"Comecei com 13 anos. Vendia pedra, farinha (cocaína) e maconha. Ganhava R$ 700 por semana e gastava tudo, comprava roupa, tênis. Minha mãe não sabia. Eu falava que trabalhava numa horta e ganhava R$ 200 por semana. Estudei até a quarta série. Bancava entrada dos amigos e pagava bebida. O patrão dizia para a gente não usar. Tem patrões que dão alimentos, motos e vídeos para a gente e outros que dão drogas e revólveres. Quero estudar e arrumar um serviço quando sair da Febem. Fui para o tráfico por causa do dinheiro. Um amigo me indicou. Quem sai tem que indicar outro. Senão, o patrão senta o dedo (manda matar)."
A.R.L. 16 anos


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