Às vésperas do fim do prazo para filiações, o governo federal observa com apreensão as mudanças partidárias decorrentes da criação de novas legendas. Na última semana, dois partidos foram homologados pelo TSE, o Partido Republicano da Ordem Social (PROS) e o Solidariedade. A criação das siglas provocou os primeiros efeitos colaterais para a campanha de Dilma Rousseff à reeleição: a perda de tempo de tevê no horário eleitoral e dificuldades na articulação dos palanques estaduais. A outra consequência, considerada natural até por articuladores políticos do Planalto, é o encolhimento da base governista no Congresso. Não bastasse o distanciamento do PSB de Eduardo Campos da bancada aliada, anunciada há duas semanas, o partido de Paulinho da Força tende a servir de polo de atração para parlamentares insatisfeitos com os rumos do governo. O PDT poderá perder ao menos seis deputados e um senador para o Solidariedade. O mesmo pode ocorrer com o PMDB e o PR. A estimativa mais otimista aponta para uma debandada de até 50 deputados, o que significa 10% da composição da Câmara.

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NOVA TRINCHEIRA
Paulinho da Força Sindical (ao centro) comemora a
criação do Solidariedade. Novo partido nasce na oposição

O desmantelamento do grupo fiel a Dilma se acelera justamente por conta da eleição de 2014. Sem o espaço almejado no governo petista, vislumbrando uma perspectiva de poder na oposição e movidos por vantagens financeiras oriundas do Fundo Partidário, muitos parlamentares têm preferido se bandear para o outro lado da trincheira. O sistema de distribuição de verba do Fundo Partidário, que anima o mercado de siglas e mandatos, é uma das anomalias do atual sistema político. O rateio do dinheiro é proporcional ao número de votos de cada deputado, algo em torno de R$ 3 a R$ 3,80. Isso significa que os novatos Solidariedade e o PROS devem receber juntos mais de R$ 30 milhões por ano. Paulinho, que espera lucrar R$ 22 milhões, deve repassar 37,5% do fundo aos deputados recém-egressos ao partido. Dos R$ 14 milhões do PROS, 60% serão distribuídos aos novos integrantes. “Estou levando 72 mil votos, então receberia 60%”, explica o deputado Ademir Camilo (MG), que pretende trocar o PSD pelo PROS. Ele calcula que levará cerca de R$ 270 mil. Legalmente, esse dinheiro deve ser direcionado à infraestrutura das siglas, mas não é o que ocorre. Acaba abastecendo os cofres de campanha – já que não há transparência no uso desses recursos, oriundos do Orçamento e de multas da Justiça Eleitoral. “Essa criação desenfreada de partidos é uma anomalia. É como abrir uma lojinha na esquina, são legendas de aluguel, sem qualquer conteúdo programático”, critica o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira.

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PALANQUE OPOSTO
Ao entregar os cargos no governo, o PSB, de Eduardo Campos,
caminha para a candidatura própria e ajuda a levar a eleição
presidencial de 2014 para o segundo turno

Nos últimos meses assessores do Palácio têm se dedicado a contabilizar as perdas, que não foram poucas. Consideram que, do início do governo até hoje, a base de apoio formada por parlamentares que votavam com o governo em 90% das vezes, caiu de aproximadamente 300 deputados de 17 partidos diferentes para cerca de 100 parlamentares – divididos entre o PT e outras sete legendas. Um encolhimento expressivo. Significa dizer que, hoje, apenas dois em cada dez deputados são fié­is ao governo. Essa dinâmica aprofundou-se do meio do ano passado para cá. Meses atrás, para tentar conter a sangria, a presidenta providenciou liberações bilionárias de emendas parlamentares, procurou abrir canais de diálogo no Congresso e fez algumas concessões na pauta de votações. O esforço, porém, não convenceu.

Entre as boas-novas registradas pelo governo na última semana está a pesquisa do Ibope, divulgada na quinta-feira 26. O levantamento mostrou um avanço da presidenta na preferência dos eleitores para 2014. Saltou de 30% para 38%, ampliando sua vantagem sobre a ex-senadora Marina Silva e os demais candidatos, que oscilaram negativamente. Dilma, porém, está ainda muito distante do patamar de 58% de votos que tinha em março. Ou seja, se antes, a presidenta era ampla favorita para a reeleição, hoje a perspectiva é de que a disputa caminha para um incerto segundo turno. Na visão desses parlamentares, até então governistas de carteirinha e que agora se bandeiam para os braços da oposição, se Dilma não liquidar a eleição na primeira etapa, tudo poderá acontecer na segunda.

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MOVIMENTO INVERSO
Fundador do PROS, Eurípedes Macedo promete
segurar parlamentares na base do governo

Até pouco tempo a lógica das alianças obedecia ao critério de atendimento das demandas das bancadas no Congresso. A partir de agora o que conta é tempo de tevê, recursos financeiros e capilaridade partidária nos colégios eleitorais. Para conseguir criar o Solidariedade com uma bancada de 30 deputados, por exemplo, Paulinho negociou como um mercador do tempo de tevê os cerca de dois minutos que terá disponível no horário eleitoral. Pela negociação, cada governador que cedesse um ou dois deputados receberia em troca o tempo de tevê no pleito estadual. Ele diz que já firmou acordo com André Puccinelli (PMDB-MS), Cid Gomes (PSB-CE), aliados do governo, além de Campos (PSB-PE) e os tucanos Marconi Perillo (PSDB-GO) e Beto Richa (PSDB-PR). Segundo seus cálculos, o Solidariedade, além de arrastar ao menos seis deputados do PDT, do PMDB e do PR, receberá o reforço de parlamentares oriundos de partidos considerados nanicos da base. No Senado, especula-se que Kátia Abreu (GO) pode trocar o PSD pelo partido de Paulinho. A tucana Lúcia Vânia é outra que estaria na conta da legenda, em virtude do acordo com Perillo.  

Para reverter o processo de encolhimento de sua base de apoio, o governo trabalha nos bastidores para fortalecer o PROS, também aprovado pelo TSE na semana passada. Em outra frente, o Planalto atua para manter o cabresto sobre o volúvel PSD de Gilberto Kassab e faz figa para que Marina não consiga emplacar o Rede Solidariedade, que tem enfrentado problemas na Justiça Eleitoral para sair do papel. A torcida contra Marina, no entanto, tende a ser em vão. Em entrevista à ISTOÉ, nesta edição, o procurador eleitoral Eugênio Aragão praticamente confirma o parecer favorável ao partido idealizado pela ex-senadora e ex-candidata à Presidência pelo PV.

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Pelo menos a primeira estratégia do Planalto deve ser bem-sucedida.  Fundador do PROS, o ex-vereador Eurípedes Macedo Júnior disse já ter a adesão de ao menos dez deputados federais, entre eles Gilvaldo Carimbão (PSB-AL) e Vicente Arruda (PR-CE). Eles pertenciam a partidos que já se distanciaram do governo. A nova legenda ainda espera filiar os irmãos Cid e Ciro Gomes e o ministro da Secretaria Nacional de Portos, Leônidas Cristino. Quem negocia a transferência deles é a própria Dilma. Como esta semana é a última para filiações, o governo acredita que ainda há tempo de convencer os indecisos a permanecerem no consórcio governista.