Foram 23 minutos de um discurso forte diante de uma plateia atenta. Ao abrir a 68ª sessão da Assembleia-Geral da ONU, na terça-feira 24, a presidenta Dilma Rousseff fez o que havia prometido: denunciou as ações de espionagem dos Estados Unidos, cobrou a criação de um mecanismo de regulação mundial da internet e fez um apelo às nações para o fortalecimento do multilateralismo. Foram declarações contundentes contra o programa de espionagem americano, pela primeira vez classificado por um dirigente estrangeiro como “ilegal e antidemocrático”. Para a presidenta, a ação invasiva da Agência Nacional de Segurança Americana (NSA) fere de morte o Direito Internacional, avança contra as liberdades individuais e já não se justifica pelo combate ao terrorismo. “Informações empresariais, muitas vezes de alto valor econômico e mesmo estratégico, estiveram na mira da espionagem”, disse Dilma, lembrando que a missão brasileira em Nova York e a própria Presidência da República foram alvo da NSA.

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PRONUNCIAMENTO CONTUNDENTE
Para Dilma, ação da Agência Nacional de Segurança Americana
avança contra as liberdades individuais

Por orientação do chanceler Luiz Alberto Figueiredo, Dilma não nominou diretamente Barack Obama nem fez menções diretas às grandes companhias de internet, como Google e Facebook, acusadas de colaborar na interceptação de dados e comunicações de usuários. “A ideia era dar o recado e deixar a porta aberta para o diálogo”, afirma um assessor de Figueiredo. Acusações pessoais, segundo ele, poderiam causar constrangimentos desnecessários e inviabilizar o tão esperado pedido de desculpas que o Palácio do Planalto ainda aguarda de Washington. Um tiro direto acabaria levando a comparações indesejáveis entre Dilma e o falecido presidente venezuelano Hugo Chávez, que, ao discursar nas Nações Unidas em 2006, atacou George W. Bush por causa da guerra ao Iraque, chamando-o de “diabo” e fazendo piada com o “cheiro de enxofre” que o presidente americano havia deixado ali. “Chávez entrou para a história, mas não foi levado a sério. Seu discurso arrancou risadas e só”, disse à ISTOÉ um diplomata da missão brasileira em Nova York.

Já o de Dilma foi recebido com a seriedade que o tema exige, tanto dentro como fora do plenário da ONU. Transmitido ao vivo no site do “The New York Times” e pelas redes CNN e BBC, o discurso teve boa repercussão na mídia internacional, ocupando as páginas principais dos sites de jornais como “The Guardian”, “El País” e “La Nación”. Para o “Washington Post”, Dilma fez uma repreensão cortante aos abusos da NSA, e a emissora Al-Jazeera destacou a iniciativa brasileira de levar “o escândalo da NSA para a ONU”.

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Logicamente, não se deve esperar qualquer efeito prático imediato das declarações de Dilma. Ainda é preciso fazer o trabalho de casa. E munir o País de mecanismos de defesa cibernética eficazes. Mas o simples fato de colocar o tema na mesa e impulsionar o debate já serve como pressão contra os excessos dos EUA. O mea-culpa de Obama sobre a necessidade de “equilibrar as preocupações legítimas de segurança” de cidadãos e aliados com as “preocupações relativas à privacidade” é um sinal disso. O espaço que o assunto pode ter na agenda internacional atualmente é relativo. Poderia ser maior se não houvesse na pauta uma crise tão importante como a da Síria. Esse, aliás, foi o foco do discurso do presidente americano, que só apareceu depois que Dilma deixou o púlpito. Talvez o principal resultado do debate seja a discussão sobre a capacidade da ONU de intervir em conflitos internacionais e buscar soluções efetivas que valorizem o multilateralismo, seja em tempos de guerra, seja em tempos de paz. E nisso parece que Obama e Dilma concordam.