Marta Suplicy elogia os xiitas, diz que está preparada para as baixarias da campanha pela Prefeitura de São Paulo e critica Tiazinha e Feiticeira

Católica e defensora ardorosa do direito ao aborto. Aristocrata e candidata à Prefeitura de São Paulo pelo PT. Contradição? Não. Quando o assunto é Marta Suplicy, todo ecletismo é pouco. Essa personalidade plural, que enverga, se preciso for, um modelito Chanel numa reunião de metalúrgicos do ABC, promete revolucionar o PT.

"Não se governa sem lealdade ao programa partidário. Mas não se governa com êxito se só o seu partido for ouvido", avisa. A ala radical petista não assusta a pré-candidata, como prefere ser chamada. Marta admite que, antes da disputa ao governo no ano passado, não conhecia muito bem os chamados xiitas. Foi de conversa em conversa, e com muita clareza, como gosta de dizer, que distendeu as relações. "Eles carregam um piano, são os primeiros a se engajar. O que chamam de xiitismo é idealismo puro." Entusiasmada, Marta, que se prepara para estrear o programa de entrevistas Jogo Aberto na Rede Bandeirantes, transforma sua casa, no elegante bairro paulistano do Jardim Europa, num bunker político, que abriga inclusive reuniões da cúpula do partido. Entre doses generosas de café, Marta falou a ISTOÉ sobre sexo, drogas e política.

ISTOÉ – A sra. não acredita que uma candidatura lançada a um ano e meio antes das eleições corre riscos?
Marta Suplicy

á enormes vantagens e desvantagens. Estou podendo me preparar com mais calma, conhecer a cidade com mais profundidade, organizar grupos de estudo sobre diferentes problemas e congregar pessoas de todos os partidos com antecedência. Poderei agregar contribuições e pessoas de todos os estratos da sociedade.
 

ISTOÉ – E as desvantagens?
Marta Suplicy

 Você vira vidraça. O José Aníbal (secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo) me fez uma grosseria outro dia na Folha (o deputado disse que se Marta fosse eleita já começaria a governar no meio do mandato). Eu encontrei o Alkmin (Geraldo Alkmin, vice-governador) e disse: "O que é isso? Até parece que sou inimiga de vocês? "É uma coisa totalmente gratuita. Mas é a disputa já, não é pessoal. O PSDB tem dez candidatos e quem tem dez candidatos não tem nenhum. O próprio Montoro (ex-governador Franco Montoro) foi quem me falou esta bela frase. Eles estão brigando entre si para se alavancar e há melhor forma de se alavancar do que entrar num debate com a candidata preferencial?
 

ISTOÉ – A baixaria de campanha preocupa?
Marta Suplicy

 Essa daí não, mas sim a que virá depois. Tenho um marido que foi candidato várias vezes contra o Maluf. Sei do que ele é capaz. Nunca pudemos provar, mas, antes da entrada do Eduardo para um debate na TV Cultura, ligaram e disseram que havia um atraso de 40 minutos. O Eduardo chegou atrasado e teve de passar por um corredor polonês na entrada. Por pouco não teve o carro virado. Já imaginou em que condição o candidato chega ao estúdio? Fora outras baixarias. Não tenho dúvidas de que vai ocorrer o que ocorre em todas as candidaturas, ninguém vai me poupar por ser mulher. Ao contrário, serão mais perversos.
 

ISTOÉ – Questões da sua vida pessoal podem ser trazidas à tona?
Marta Suplicy

 É difícil eles exporem questões deste tipo porque sou casada com a mesma pessoa há 34 anos. Eles vão usar de artimanhas baixas para me desqualificar. E como é que se desqualifica uma mulher? Geralmente, é pelo lado moral. Vão inventar alguma coisa. Por conta do projeto da união civil de homossexuais, até amante lésbica vão me arrumar.
 

ISTOÉ – A herança do Pitta preocupa?
Marta Suplicy

 O Supla diz: "Mamãe, você é louca! Querer ser prefeita de São Paulo depois do Pitta!" Me preocupo com a situação financeira do município. A rolagem da dívida fará com que 13% da receita esteja contingenciada pelos próximos 30 anos. Isso é o que tinha para investimento. Nós, por exemplo, vamos ter de implementar uma política contra a corrupção. Segundo a nossa bancada na Câmara, R$ 1 bilhão – de um total de cerca de R$ 7 bilhões do Orçamento – vai para o ralo todo o ano por causa da corrupção. Tenho conversado com empresários que trabalham com a prefeitura e eles têm dito que o nível é tal que seria muito bom fazer uma secretaria contra a corrupção.
 

ISTOÉ – O seu governo terá só a cara do PT?
Marta Suplicy

 O PT aprovou há duas semanas a criação do instituto para políticas sociais Florestan Fernandes, que é do partido, mas acolherá projetos de quem quiser contribuir. O instituto será dividido em seis departamentos para pensar a cidade. Vamos ter, por exemplo, o de gestão pública, o de reforma administrativa, o de educação e o de habitação. Dessa forma, não fica um pensar a cidade só petista, porque não quero ser eleita para fazer uma administração só petista. Quero ter todas as boas características das administrações do PT, mas também conseguir agregar mais do que já foi feito até hoje, ter outras participações.
 

ISTOÉ – Isso não vai incomodar setores mais radicais do partido?
Marta Suplicy

 Não, porque eu tenho falado sobre isso em todas as reuniões. Faço as coisas com muita clareza. Fiz na campanha para o governo e estou fazendo nesta. Em todos os encontros com empresários e instituições que já estão me procurando, digo: "É preciso entender que eu sou uma pessoa de partido, que vou cumprir um programa partidário. Agora, vocês estão convidados a colaborar no programa deste instituto." Se trouxerem boas idéias, serão incorporadas e vou cumpri-las. Tenho de ter um canal direto de comunicação com o meu partido, mas vou ser prefeita da cidade, de gente que não votou no PT. E é gozado, a minha postura não provoca nenhuma revolta. Ao contrário, todos sabem o rolo que foi por não ter sido assim em outras vezes.
 

ISTOÉ – No caso, mais precisamente na gestão de Luiza Erundina?
Marta Suplicy

 É. Eles sabem e dizem: "Que bom que vai ser assim." Temos de pensar como lidar com os sindicatos, com os conselhos, com os movimentos populares. A minha eleição vai depender destas forças que sempre nos elegeram, mas depois de eleita você tem de ter uma parceria privilegiada com elas. Estas forças, se estiverem no governo, têm de pensar a cidade como um todo e parar de fazer a luta específica pela qual elas foram eleitas. Essa é uma discussão nova que estou levando no partido e, para a minha surpresa também, todo mundo fica aliviado. "Puxa, é isso mesmo, temos de pensar nisso porque isso deu um problemão antes."
 

ISTOÉ – Dá para ser PT no governo? .
Marta Suplicy

Ah, tem que dar. Não se governa sem lealdade ao programa partidário. Mas não se governa com êxito se só o seu partido for ouvido. Então, a minha pretensão é poder ter um conselho integrado por representantes de toda a cidade para poder fazer este diálogo. Pela sorte de ter uma origem e ser de um partido de outra base, a minha figura é exatamente a figura que dá para fazer esta transição. Dá para fazer um governo revolucionário, acabando com a corrupção, pensando as zonas menos desenvolvidas e falando com clareza para os 30% que vivem no miolo privilegiado em que eu vivo. E o diálogo que estamos tendo com a ala mais à esquerda do partido já está viabilizando uma convivência interna mais tranquila. A prova foi já na campanha ao governo. Foi o primeiro bloco que me apoiou. Eles participaram e viram que se eu tivesse ganho fariam parte do governo. São pessoas muito boas, eu conhecia pouco esta ala do PT. Eles carregam um piano. O que chamam de xiitismo é idealismo puro, chega até à beira da ingenuidade. O PT apanhou tanto, gente! Desta vez a gente tem chance de fazer um governo mais harmonioso

ISTOÉ – O malufismo acabou?
Marta Suplicy

 Do que eu sinto na rua e ouço de ex-malufistas, tinha esta impressão. Mas as pesquisas mostraram que não. Então é preciso esperar mais um pouco para ver. O que sinto é que os malufistas estão muito desiludidos, desapontados. Se Maluf optasse por concorrer agora seria suicídio, seria muito imprudente entrar numa disputa com toda esta carga negativa e ainda com uma possível suspensão.
 

ISTOÉ – Existe alguma chance de o governador Mário Covas e o PSDB apoiarem sua candidatura?
Marta Suplicy

Não tenho essa expectativa. Se houver segundo turno, não tenho dúvidas de que ele estará conosco, até por um dever moral.
 

ISTOÉ – Será difícil enfrentar Luiza Erundina, que foi do PT ?
Marta Suplicy

É natural o nome dela ter surgido porque quando se depara com uma administração tão desastrosa como a do Pitta lembra-se de algo mais positivo. Por mais críticas que se tenha à gestão dela, houve muita coisa boa. Quando o PT saiu do governo, tinha três meses de remédios nos postos de saúde. Hoje não tem remédio, não tem médico, não tem nada e a merenda é um horror. Por isso o povo começou a se lembrar da gestão da Erundina, que eu gosto de dizer que não é dela, é do PT, nos seus acertos e nos seus erros. Espero que a gente vá compor mais à frente. Espero não ter de concorrer com ela. Faria muito pouco sentido.

ISTOÉ – Qual seria sua primeira medida de governo?
Marta Suplicy

 É precipitado, falta muito tempo ainda. Mas poderia dizer de a reforma administrativa tem que ser uma das primeiras questões abordadas. Em algumas medidas seria necessária a parceria da Câmara, em outras não. E não necessariamente haveria enxugamento da máquina, mas é necessário reformar muita coisa, desburocratizar. A burocracia dá espaço para uma propina em cada guichê.
 

ISTOÉ – Propostas polêmicas suas como a legalização do aborto e a união civil de homossexuais podem prejudicar na campanha?
Marta Suplicy

 Já estou vivendo isso. O Ratinho, dia sim, outro também, diz: "Esta mulher que quer casar homem com homem." As pesquisas mostram que quando o povo não sabe o que é o projeto, e acha que é só casamento de homem com homem, não gosta. Mas diz que se eu fizer alguma coisa boa para São Paulo isso não terá importância. Percebi que é um empecilho quando há má compreensão. Vou ser eleita se tiver um programa competente. É isso que vai dar o voto.
 

ISTOÉ – E a Igreja?
Marta Suplicy

 Estou conversando. A união civil não é a coisa mais importante para a Igreja. O problema é a questão do aborto. Apesar de ser católica, tenho meus princípios no que se refere à questão do aborto.
 

ISTOÉ – A sra. já fez aborto?
Marta Suplicy

 Não. E nem faria. Sou meio mística. Mas acho que as pessoas teriam esse direito. Como prefeita, não tenho nada a ver com isso. Essa é uma questão nacional, o que for lei, eu vou cumprir.
 

ISTOÉ – A sra. já fez aborto?
Marta Suplicy

 Não. E nem faria. Sou meio mística. Mas acho que as pessoas teriam esse direito. Como prefeita, não tenho nada a ver com isso. Essa é uma questão nacional, o que for lei, eu vou cumprir.
 

ISTOÉ – E sua relação com as drogas?
Marta Suplicy

Sou contra, sempre fui contra. Contra maconha, cocaína…
 

ISTOÉ – Como a sra. tratou os temas sexo e drogas com seus filhos?
Marta Suplicy

Conversando, porque não dá para você proibir simplesmente. Sempre dissemos: "Vocês têm uma responsabilidade familiar, vocês são nossos filhos." Criei um ônus para eles. Nós somos contra, seríamos de qualquer forma. Não admito que se faça isso em casa. Não quero, acho que faz mal. Por mais barato que possa dar, o custo final da droga é alto.
 

ISTOÉ – A sra. foi vaiada no programa H de Luciano Huck ao criticar a Tiazinha…
Marta Suplicy

Os adolescentes reagiram porque eu disse que a Tiazinha e a Feiticeira eram um horror.
 

ISTOÉ – Por quê?
Marta Suplicy

Por um lado pode ser até visto como uma brincadeira. Por outro lado, a mim incomoda o desrespeito à mulher, a erotização banal. É muito desrespeitosa aquela Feiticeira, o jeito que ela é colocada como um monte de carne. Perguntam se você quer cheirá-la, tocá-la ou isso e aquilo. É desrespeitoso. Ao mesmo tempo, uma professora de mulheres adultas me contou que suas alunas estavam indignadas com a Tiazinha, mas, quando chegou o Carnaval, todas estavam fazendo fantasia de Tiazinha para suas filhas de 12 anos. O fato é que a tevê é tão avassaladora que não adianta a mãe tentar se contrapor. Cria-se no imaginário feminino que o jeito de se vencer na vida, de arrumar um namorado, de ter status é você ser uma Tiazinha.

ISTOÉ – Voltando à política, Lula deve ser candidato de novo?
Marta Suplicy

 Deve, mas não necessariamente em 2002. É preciso pensar que o Lula tem 53 anos, é muito jovem, com enorme experiência e tem toda a chance de ser presidente da República.
 

ISTOÉ – Ele se desgastou?
Marta Suplicy

 Sim, por isso que na próxima eleição não seria tão conveniente entrar na disputa. Lula não deveria ter sido candidato na última eleição, como ele mesmo achava. Era uma eleição extremamente difícil, com um presidente fortalecido pelo real. Lula teve uma votação extraordinária, tanto é que continua sendo o maior nome da oposição ao governo. Havia um receio partidário de ele não ter a votação que teve. Mas ele se consolidou como o grande líder da oposição. Qualquer eleição para presidente o Lula vai para o segundo turno. Para vencer no segundo turno temos que mexer na sua imagem. Existe um preconceito muito grande contra ele. As pessoas não conseguem imaginar que uma pessoa que não cursou universidade possa estar mais bem preparada que outra que tenha dez diplomas e fala cinco línguas, como FHC.
 

ISTOÉ – A sra., que é uma mulher de posições avançadas, acha que o ciúme é um sentimento reacionário?
Marta Suplicy

 Sou superciumenta e acho super-horrível. Gostaria de ser menos.
 

ISTOÉ – Sua relação com seu marido teve muito peso no seu sucesso profissional e político?
Marta Suplicy

 Pesou muito. Fui bastante privilegiada na vida, porque tive um companheiro que sempre me incentivou e nunca me tirou o tapete. A primeira vez que a gente foi estudar fora, eu fui só acompanhando, e o Supla tinha cinco meses. Ele queria ficar para fazer o doutorado e eu disse que o mais justo seria que voltássemos para que eu terminasse a faculdade. Quando eu entrei na política complicou um pouco, foi o primeiro susto, porque foi uma coisa muito nova para ele.
 

ISTOÉ – A sra. concorda que o PT entre na campanha pela renúncia de FHC, defendida pelo presidente do PDT, Leonel Brizola?
Marta Suplicy

Não. Nessas coisas eu sou um pouco mais ponderada. FHC está com o governo completamente desnorteado, desacreditado, não ganharia nenhuma eleição hoje, mas eu não iria para este rumo. Embora haja motivos para o PT pedir o impeachment. A questão das escutas telefônicas mostrou que o presidente interferiu no processo e em qualquer país do mundo ele teria ido a julgamento. Então não é um ato irresponsável do PT querer o impeachment. Mas nessas medidas mais radicais, eu sempre demoro um pouco mais a aderir.