O Brasil tem 580 mil pessoas encarceradas – é o quarto país do mundo em número de presidiários, colocando-se atrás dos EUA, da China e da Rússia. Nesse universo carcerário há tão somente cerca de 38 mil mulheres presas, um número proporcionalmente e, por enquanto, ainda pequeno demais – e introduzo aqui as expressões “por enquanto” e “ainda” como sinal de alerta, porque é surpreendente a curva que se faz para cima em relação a elas: pelos dados oficiais do Ministério da Justiça, nos últimos cinco anos, o índice feminino de encarceramento cresceu 42%. E entre 2000 e 2010, o percentual de mulheres presas na comparação com o total de pessoas detidas aumentou de 5,97% para 6,48% (a média de idade fica entre 18 e 28 anos). Portanto, se nada for feito, lamentavelmente a quantidade de presidiárias chegará a tal ponto que ouviremos das autoridades o mesmo lero-lero que escutamos atualmente no que diz respeito aos homens: é gente demais, já não há nada que se possa pôr em prática para alterar esse quadro.

Seria cambaio demais um artigo sobre esse tema em que não se propusesse um caminho pelo qual as agourentas expressões “por enquanto” e “ainda”, acima mencionadas, pudessem ser extirpadas. Pois bem, segundo estudos de órgãos ligados ao Ministério da Justiça, existem 15 ginecologistas para essas 38 mil presidiárias, e não é mais alentador o número de psiquiatras – e eles são imprescindíveis nesse conjunto, no qual se estima que 45% das moças sejam portadoras de Transtorno da Personalidade Borderline.

Mulheres que nascem com vulnerabilidades neurobiológicas e sofrem quando crianças abuso físico, emocional ou sexual daqueles que deveriam ter sido seus cuidadores têm alta probabilidade de se tornarem borderlines, e histórias assim são tão comuns em cadeias como grades e arame farpado. No sistema nervoso central ainda não maduro dessas crianças ficam “impressos” fatores estressores que o condicionam (e o condenam) a “curtos-circuitos psíquicos” na vida adulta: essas mulheres são tomadas de repentinos sentimentos desesperantes de abandono (não confundir com solidão), se autolesionam (dermatotilexomania), xingam, brigam, abusam de substâncias. Tudo isso compõe a ópera da borderline, não o funk da insubordinação. Ressalte-se que a imensa maioria das portadoras do Transtorno da Personalidade Borderline é extremamente honesta e respeitadora das leis penais, mas há aquelas que no trem fantasma do sentimento de abandono se juntam a qualquer homem-tranqueira na vã ilusão de amainar tal sentimento – pegam em fio descapado mesmo sabendo que vão levar choque, “casam” com traficantezinhos-brotherzinhos e acabam presas (o motivo disparado que leva mulheres à cadeia é o tráfico).

Em nome da verdade factual e do rigor metodológico, vale ressaltar que a ausência de psiquiatras não é por desdém de gestões ou administrações atuais do sistema penitenciário. Essa carência é, isso sim, uma doença histórica e crônica: já em 1941 e 1942, anos de fundação de alguns presídios de mulheres que o governo de Getúlio Vargas colocou sob os cuidados da Ordem do Bom Pastor d’Angers, no mais antigo prontuário de que se tem notícia, o de número 15, lê-se o que as freiras assinalaram em nanquim e com reforço de laudo do célebre médico legista Flamínio Fávero: a interna M.B precisa de psiquiatra, mas nenhum vem em seu auxílio.

Eu proponho então um caminho (“caminhada” na linguagem de cadeia) para que essas mulheres sejam tratadas enquanto estiverem sob a guarda do Estado e, uma vez em liberdade, ajudem assim a derrubar o incrível índice de 70% de reincidência: o pragmático programa “Mais Médicos” bem que podia ser complementado com profissionais estrangeiros que viessem com a função de cuidar de pessoas em instituições fechadas.

Antonio Carlos Prado é editor-executivo da revista ISTOÉ