Com inusitada coragem cívica para um homem público brasileiro, o recém-empossado ministro da Saúde, José Gomes Temporão, defendeu a realização de um plebiscito para que a população decida se deseja ou não a legalização do aborto. “Existe uma ferida aberta na sociedade brasileira. São milhares de mulheres que morrem todos os anos por fazer abortos em situações inseguras. É um problema de saúde pública”, disse o ministro, sem se preocupar com eventuais melindres religiosos. Tal ousadia, aliás, já tinha sido defendida pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho.

Já existe até um projeto de plebiscito sobre o tema aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. As declarações do ministro tiveram lugar semanas depois de o aborto ter sido aprovado em Portugal através de uma consulta popular realizada no dia 11 de fevereiro, o que provocou, previsivelmente, uma forte oposição da Igreja Católica. E, no Brasil, a discussão veio a público quase ao mesmo tempo que “ganhávamos” nosso primeiro santo – Frei Galvão –, cuja canonização o papa Bento XVI deverá anunciar na viagem que fará ao País em maio. O ministro e o governador, portanto, podem esperar artilharia pesada do clero católico.

É perfeitamente compreensível que a Igreja Católica defenda seus dogmas – entre eles a interdição ao divórcio, ao uso de camisinha, ao homossexualismo e à pesquisa com células-tronco – com unhas e dentes. Cabe aos católicos obedecê-la ou trocar de religião. O que é inaceitável é a tentativa de impor seu credo ao conjunto da população. O princípio de separação Igreja-Estado, consagrado no Estado de Direito Democrático, veda ao Estado a profissão de uma fé e à Igreja a intromissão em assuntos estatais e consagra a laicidade das questões públicas. Ou, se preferirmos ficar no Evangelho – afinal, é Semana Santa – “A César o que é de César”.


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