O presidente americano, Barack Obama, vive um dilema. No discurso transmitido ao vivo, em cadeia nacional de tevê, na noite da terça-feira 10, ele foi enfático: “Essa nação está cansada de guerra.” Pouco tempo depois, disse que o ditador sírio Bashar al-Assad deveria ser punido pelo uso de armas químicas. Mas como punir Assad sem ir ao campo de batalha? Desconfortável na tarefa de conduzir o país para mais uma operação militar no Oriente Médio, Obama usou o horário nobre para explicar aos americanos, amplamente contrários à intervenção, por que pedira ao Congresso para adiar a votação sobre a ofensiva na Síria. Para muitos críticos, a retórica hesitante resultou em um passo atrás na credibilidade do presidente. Em defesa de Obama, havia uma razão suficientemente forte para adiar os ataques ao regime de Assad: um plano de desarmamento proposto pela Rússia e aceito pela Síria. O acordo de difícil – para não dizer impossível – execução trouxe pouco de concreto para um desfecho da guerra, mas deu a Obama, Assad e Vladimir Putin, presidente russo, o que eles mais queriam: tempo.

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CONVENCEU?
Americanos assistem, em Washington, ao discurso de Obama na tevê.
O presidente adiou a ação militar na Síria

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DESARMADO
O ditador sírio Bashar al-Assad surpreendeu ao aceitar o plano, mas deve
provar que pode ser levado a sério pela comunidade internacional

O plano costurado por Putin faria a Síria abrir mão de seu arsenal de armas químicas, provavelmente o terceiro maior do mundo, atrás justamente dos estoques em posse dos EUA e da Rússia. Em quatro etapas, Damasco deveria aderir à Organização para a Proibição de Armas Químicas (o que aconteceu na quinta-feira 12, segundo o embaixador do país na ONU), revelar a localização de seu arsenal, autorizar o acesso de inspetores do órgão a esses locais e, por fim, destruir as armas. Se colocado em prática, o pacto impediria um ataque americano (cada vez mais improvável com o passar do tempo) e reforçaria a aliança da Síria com a Rússia, além de provocar um efeito positivo à imagem internacional de Assad. Por ora, o mundo estaria livre da ameaça de bombardeios com agentes asfixiantes que matam principalmente crianças, mulheres e idosos. A proposta, contudo, é altamente custosa e envolve riscos de contaminação e roubos num país que enfrenta uma longa guerra civil (leia quadro). A eliminação completa das armas poderia levar décadas, como mostra o esforço bilionário dos EUA em destruir seu próprio arsenal de 30 mil toneladas de gás mostarda, sarin e VX, que começou em 1997 e não deve acabar até 2023.

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PROTAGONISTA
Vladimir Putin, presidente russo, já contabiliza as vantagens do
plano para a Síria: ofuscou Obama no papel de conciliador

As vantagens desse plano, no entanto, já foramcontabilizadas para Vladimir Putin. Em carta endereçada ao povo americano e publicada pelo jornal “The New York Times”, o presidente russo evocou até o papa Francisco para advogar contra a intervenção militar na Síria. Putin disse que a ofensiva poderia “aumentar a violência e desencadear uma nova onda de terrorismo”. Em uma semana, ele tirou de Obama o papel de principal árbitro da política global, se apresentou como um estadista pacífico e evitou o enfraquecimento do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, onde a Rússia tem poder de veto. Nos últimos dois anos e meio, com o apoio da China, os russos bloquearam todas as resoluções contrárias a Assad – da mesma forma que os americanos vetaram, em 2011, uma proposta endossada por 130 países que considerava ilegais os assentamentos de Israel na Cisjordânia. Mesmo que não seja levado adiante, o novo plano para a Síria já teve um impacto geopolítico inesperado. Nos encontros bilaterais que ocorreram na semana passada, os resquícios da Guerra Fria que permeavam a relação entre Moscou e Washington foram suspensos. Os desacordos iam desde a concessão de asilo da Rússia ao ex-agente da CIA Edward Snowden até temas como direitos humanos e controle de armas. Agora, as duas potências parecem, enfim, se entender. Melhor assim.

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