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A questão ambiental ainda depende de um consenso global. A COP-15, em Copenhague, mostrou quanto esses entendimentos são difíceis. A história do século XX prova como foram poucos os momentos em que líderes, sentados em torno de uma mesa, alcançaram uma convergência sobre políticas econômicas. Quase sempre a motivação a empurrar para uma concordância – como o tema do aquecimento planetário exige com urgência – foi a dura realidade da pobreza, ou seja, a ameaça de que a quantidade de produção de riqueza pelas nações pudesse ser insuficiente para atender ao crescimento da população. Portanto, até hoje, só a fome uniu o planeta. Desde o fim da Segunda Guerra, o mundo chegou a dois consensos econômicos – semelhante ao modelo agora reivindicado pelos defensores da causa ecológica. Esses dois acordos internacionais, no entanto, desenharam uma realidade econômica sem compromisso com o desenvolvimento sustentável. Ou melhor, totalmente antiecológica. Foram dois consensos filiados ao estímulo ao consumo e subjugados a um padrão de produção que, agora, mostra-se esgotado. Mas o custo de seu abandono é alto e este preço nenhum país aceita pagar sozinho – ou nem sequer dividi-lo. O primeiro consenso do mundo ocorreu em 1944, na cidade de Bretton Woods, nos Estados Unidos, quando a Europa morria de fome e estava incapacitada de reerguer-se sem a ajuda dos americanos. Depois de amplo e longo debate, 45 países concordaram em abrir mão do poder soberano de suas moedas para criar um novo padrão monetário ancorado no dólar – e este no ouro – e garantir a estabilidade monetária internacional. Não foi um acordo fácil. Foram necessárias duas guerras para ser fechado e, sobretudo, uma depressão econômica como a da década de 1930. No relato do historiador Tony Judt, em seu livro “Pós- Guerra” (Ed.Objetiva), a Europa, onde alguns países tinham apenas 10% de sua malha ferroviária em funcionamento, só tinha esse caminho. Até 1975, o mundo viveria o período denominado “Trinta Anos Gloriosos”. E por quê? O consumo foi amploe farto, permitindo incremento do comércio internacional e do avanço tecnológico. Ninguém, nessa época, se preocupava se este modelo ampliaria a emissão de CO2. Pior. A economia apresentava sinais de que era necessário acelerar o ritmo de crescimento. Logo, esboçou-se o segundo acordo mundial. Esse foi denominado pelo economista John Williamson como Consenso de Washington. É este que irá cristalizar o padrão de produção do capitalismo que, agora, é tão difícil de ser quebrado pela emergência ambiental.

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Crise financeira: As regras do segundo consenso, se, por um lado, cumpriram o objetivo de apressar a produção de riqueza, por outro, estabeleceram um padrão de produção excessivamente consumista, garantido pela hipertrofia do sistema financeiro sem regulação. Esse modelo, em vez de gerar renda, gerou dívida para as famílias (o endividamento dos americanos aumentou 100 vezes desde a década de 1980). Aos poucos, o mercado de capitais abandonou sua função legítima de auxiliar o setor produtivo para substituí-lo. Os Estados Unidos estabeleceram com a China uma parceria em que o primeiro produz capital – fictício, em cima da criatividade de papéis no mercado – e o segundo provoca uma enxurrada de produtos fabricados sem compromisso com a sustentabilidade. A crise de 2008 talvez tenha começado a desenhar um novo consenso. O consenso que falta: o ecológico. A mudança no rumo do desenvolvimento só será possível se o mundo deixar de ser uma grande fábrica de papéis financeiros que têm origem na necessidade de consumo inconsciente e desenfreado. O problema é que os 25 anos de hegemonia do pensamento liberal forjaram uma geração que desvincula a questão do funcionamento do mercado financeiro da causa ecológica. Pesquisa da Universidade de Harvard mostra que os eleitores de Barack Obama com menos de 30 anos de idade são contra as propostas de regulamentação dos mercados. Mas essa mesma faixa etária foi a mais combativa nas ruas de Copenhague durante a COP-15. Enquanto aguarda o consenso ecológico, o mundo altera – embora de forma lenta – o seu modo de produção. “A indústria, para sobreviver, terá que encontrar formas de produção mais eficientes”, afirma Carolina Dubeux, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e uma das participantes do estudo “Economia do Clima”.

ECODESENVOLVIMENTO
A crise esgotou o modelo que sustenta o crescimento nas dívidas das famílias

No entanto, as adaptações ainda são motivadas por uma lógica para atender à estrutura financeira. “Ações conscientes não são gratuitas, trazem retorno, são oportunidades de negócio, passam segurança aos investidores, que reconhecem na empresa uma segurançade alto valor”, afirma Marcos Vaz, diretor de sustentabilidade da Natura. Em 2009, a Vale investiu US$ 900 milhões em medidas socioambientais e, em 2010, será quase US$ 1 bilhão. “Este é o custo para continuar fazendo negócio”, afirma Katsuo Homma, gerente-geral de desenvolvimento sustentável da Vale.

Nova produção: Há quem acredite, porém, que mesmo essas ações mercadológicas podem ajudar o mundo a mitigar os efeitos desse modelo produtivo. A escassez do petróleo combinada a uma alta do preço dos alimentos e o aumento da população mundial – estimada em mais de nove bilhões de pessoas na metade do século, com média de 75 anos de expectativa de vida e, de novo, ameaçada pela falta do que comer – podem estabelecer uma nova economia. Só para se ter uma ideia, estima-se que o aquecimento global provoque perdas nas safras brasileiras de R$ 7,4 bilhões em 2020 e de R$ 14 bilhões em 2070. A soja deve ser a cultura mais afetada.O setor produtivo será obrigado a se adaptar a uma nova matriz energética e a agricultura será empurrada a privilegiar os pequenos proprietários rurais e seus métodos de cultura mais sustentáveis. É a “biocivilização”, como denominou o franco-polonês Ignacy Sachs, autor do conceito do ecodesenvolvimento, na década de 1970. “As civilizações que virão serão diferentes das antigas, já que a humanidade se encontra em um novo e superior ponto da espiral do conhecimento. Desta forma, as modernas biocivilizações não devem ser vistas de modo algum como uma regressão, mas como um salto para o futuro”, afirma Sachs, autor do livro “A Tereceira Margem” (Cia. das Letras), recém-lançado no Brasil. Para envolver os pequenos proprietários rurais na produção sustentável e no processamento de biomassa, afirma Sachs, o mundo deve recorrer a tecnologias que impliquem conhecimento e trabalho intensivos e economia de recursos. As soluções virão de sistemas integrados de produção de alimentos e energia agroecológicos adaptados aos diferentes biomas. Segundo o economista, trata-se de um difícil desafio, já que se pretende transformar as ameaçadoras crises dos alimentos e da energia em uma oportunidade para avançar na direção de civilizações mais justas e sustentáveis. Mas Sachs alerta: nada disso é possível sem uma mudança de mentalidade. “Para conseguirmos isso são necessárias três coisas: redução do consumo de energia por meio de uma mudança nos padrões de consumo e de estilo de vida; melhoria da eficiência energética e substituição dos combustíveis fósseis pelas energias solar, eólica, hidráulica, marinha e biomassa”, afirma. Sempre visionário, Sachs garante que a ascensão da biocivilização favorecerá a economia dos países tropicais. Ou seja, o Brasil tem muitos motivos para liderar a busca pelo consenso ecológico.