Toda vez que a Apple está prestes a lançar um produto, o roteiro se repete: rumores sobre os aparelhos pipocam na mídia e os fãs mais fervorosos já montam acampamento em frente às lojas. De três anos para cá, a única mudança na trama é o final da história. Terminado o anúncio, consumidores e analistas quase sempre se queixam de que o novo gadget é apenas uma atualização da versão anterior. A última ocasião em que a empresa apresentou um daqueles irresistíveis geradores de necessidades foi em 2010, com o tablet iPad, que inaugurou uma nova categoria de produtos-desejo. No ano seguinte, Steve Jobs morreu. Levou consigo o carisma para transformar apresentações de gadgets em eventos messiânicos. Pior: deixou uma empresa que liderava os avanços tecnológicos e que, três anos depois, corre atrás da concorrência.

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O executivo de marketing da Apple apresenta o iPhone "popular": sem novidades

Nesta semana, o roteiro se repetiu. A Apple anunciou o iPhone 5S e uma versão mais simples e barata do smart­phone, o 5C. O 5S traz como quase solitária inovação um sistema de reconhecimento de digitais, dispensando as senhas para desbloqueio de tela e para compras na loja de aplicativos da empresa. Em suas apresentações, Jobs tornou célebre a expressão “And there is one more thing” (“e tem mais uma coisa”). Utilizou-a para mostrar inovações como o toque na tela, a facilidade de navegação na internet e a possibilidade de fazer chamadas com vídeo. No lançamento do 5S, essas “coisas a mais” são bem mais modestas e se restringem a melhoras no que já existe, como câmera com mais resolução e processador mais veloz.

Uma atitude impensável na Apple de pouco tempo atrás seria lançar um produto popular. A empresa sempre zelou para ter o adjetivo “cool” (“bacana”) associado a seus gadgets. Com o lançamento do 5C, a regra foi esquecida. A missão do aparelho é concorrer com os smartphones mais acessíveis em mercados emergentes. Tem as mesmas configurações internas do iPhone 5, mas com um acabamento menos sofisticado, feito de policarbonato (plástico). Custará entre US$ 99 (16 GB) e US$ 199 (32 GB), nos EUA. Ainda não se sabe com qual preço os aparelhos chegarão ao Brasil.

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Para especialistas, a empresa precisa recuperar o tino inovador. “Enquanto a Apple faz um lançamento burocrático, a Samsung investe pesado em smartphones que ‘leem’ o movimento dos olhos e em seu relógio inteligente e a Microsoft se junta à Nokia para lançar aparelhos mais integrados ao sistema operacional”, afirma Pedro Waengertner, coordenador de núcleo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo. Segundo o colombiano Milton Pedraza, presidente da consultoria Luxury Institute, baseada nos EUA, a Apple consegue fazer melhor do que o iPhone 5S: “Ela poderia oferecer opções de customização de acabamento e de configurações internas, designs exclusivos, novas funcionalidades e melhor atendimento”.

Além de inovar pouco, a empresa não termina o trabalho de seu guru. Entre os projetos que estariam nas pranchetas da empresa desde a era Jobs estão uma tevê e o relógio inteligente iWatch. Especialistas dão um desconto, defendendo a ideia de que os ciclos de criação são demorados. Mas são demorados também para a Samsung, que lançou seu relógio inteligente primeiro. Apesar de danificar a imagem “cool” da empresa, o lançamento de um celular mais barato não seria suficiente para arranhar o status da Apple. “Mas, se eles popularizarem mais do que isso, a imagem pode ser afetada”, diz Pedraza. O consultor aposta no sucesso do smartphone no Brasil. Segundo ele, os consumidores de classe média que possuem celulares mais baratos vão querer um iPhone 5C. É um jeito de exibir a marca fetiche sem machucar tanto os bolsos. Os celulares aterrissam em 20 de setembro nas lojas dos EUA e de alguns outros países. Não há previsão de chegada ao Brasil.

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