O rei morreu, viva o rei! Mesmo na França, país que não hesitou em guilhotinar um soberano (Luís XVI), a rainha (Maria Antonieta) e a maior parte dos nobres, a tradição foi mantida. O herdeiro da coroa, Henri Robert Ferdinand Marie Louis-Philippe d’Orléans, conde de Paris, duque de Guise, príncipe de Joinville, entre outros títulos, morreu no sábado 19 aos 90 anos em Dreux. Ao anunciar sua morte no mesmo dia em que se realizava o casamento de um dos netos, o primogênito – ele também Henri –, assumiu o título de conde de Paris e herdeiro do trono. Henri d’Orléans, o pai, não foi apenas mais um pretendente a um trono improvável, mas um personagem único na história da França. Seu desaparecimento, vítima de câncer na próstata, foi lamentado tanto pela direita quanto pela esquerda, de Jacques Chirac a Lionel Jospin. Todos elogiaram o "príncipe republicano" e grande patriota, passando a borracha no papel ambíguo que ele teve durante o regime de Vichy (1940-1944).

"Ele era extremamente inteligente e uma das pessoas mais carismáticas que conheci", disse a ISTOÉ João Orléans e Bragança, sobrinho de Henri d’Orléans. Os dois se encontraram há 20 anos em Paris, ocasião em que João comprou do tio um quadro de D. Pedro II, herança da princesa Francisca de Bragança, que era irmã do segundo imperador brasileiro. Fortes laços de família ligavam Henri d’Orléans ao Brasil. Em 1931, ele casou-se com uma prima, a brasileira Isabelle d’Orléans e Bragança, neta mais velha da princesa Isabel. O casal teve 11 filhos, nove dos quais ainda vivos. E, aos 88 anos, a condessa de Paris disputa com a rainha da Inglaterra o título de mulher da nobreza mais mal vestida do mundo, ganhando de longe da rival na categoria chapéus estrambólicos. Fiel às suas origens brasileiras, ela não hesita em usar fitinhas do Bonfim em meio a braceletes de ouro. Escritora de sucesso, publicou vários best sellers "familiares" de como savoir vivre. Simpática e bem falante, ela é uma das figuras mais populares da nobreza francesa.

A família, real ou não, vive às turras, numa eterna disputa pelo que resta da fortuna, o que levou todos esses nobres com nomes intermináveis aos tribunais da República. Seis dos filhos de Henri lhe moveram processos por dilapidação de patrimônio. O conde colocou em leilão objetos e obras de arte que a família possuía em Portugal, entre os quais móveis e quadros da família imperial brasileira. "Ele nunca nos deu nada, não vejo por que iria dar alguma coisa agora", declarou há tempos Jacques, segundo filho e o duque de Orléans. O príncipe teria dito aos filhos: "Tudo o que eles vão ter na vida serão lágrimas para chorar."

"Ele não ligava para a família, há anos vivia sozinho. Não veio ao casamento de nenhum neto", acusava Jacques. De fato, o conde de Paris não sabia quantos netos e bisnetos tinha. Em 1984 teve uma briga feia com o primogênito, e o pai chegou a retirar-lhe o título de sucessor. Isso porque Henri-filho se divorciou da duquesa Marie Thérèse de Würtemberg para se casar com uma plebéia – e ainda por cima chilena e divorciada –, Michaela Cousino. Mas o próprio Henri-pai separou-se da mulher, desde 1983, para ficar com a não menos plebéia Monique Friesz. Só não se divorciou por razões dinásticas e religiosas.

 

Da direita à esquerda No plano político, as relações do conde não foram menos tumultuadas. Nos últimos 70 anos, ele percorreu todo o espectro ideológico da França: flertou com a extrema direita, rompeu com os monarquistas ultraconservadores, fez jogo duplo entre colaboracionistas e resistentes, foi gaullista e apoiou o socialista François Mitterrand na reeleição de 1988.

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Henri d’Orléans nasceu na França em 1908. Viveu a maior parte de sua juventude no Marrocos, até 1926, quando seu pai se tornou o pretendente ao trono francês. A partir de então, mudou-se para Bruxelas, já que uma lei de 1886 impedia os membros das famílias reais francesas de viverem na França. Ainda jovem, ele entendeu que a monarquia só teria uma chance se fosse "moderna" e sempre tentou vender essa imagem, vestindo-se na moda, dirigindo carros e tirando o brevê de piloto.

Por influência da mãe, Henri ligou-se à Action Française, movimento monarquista de extrema direita liderado por Charles Maurras. Henri dirigiu uma revista semanal, Le Courrier Royal e afastou-se progressivamente de Maurras até romper com ele em 1937. Quando a França assinou o armistício com os nazistas, em 1940, o pretendente ao trono entendeu que aquela era uma ocasião única que poderia trazer de volta a monarquia. Em 1941, o príncipe apoiou publicamente o líder do regime colaboracionista de Vichy, o marechal Philippe Pétain. Acabou abandonando Pétain e aproximando-se da resistência. Em 1942, o almirante Jean François Darlan, ex-chefe de governo de Vichy, foi assassinado por um monarquista na Argélia e Henri teve de se refugiar na Espanha.

 

Ilusões perdidas A família real voltou para a França em 1950, quando a lei de exílio foi abolida. Henri d’Orléans continuou publicando revistas e manifestos políticos até encontrar o general Charles de Gaulle em 1954. Segundo o conde de Paris, De Gaulle pretendia restaurá-lo no trono, primeiro fazendo com que fosse eleito presidente da República. Depois, ao fim do mandato de sete anos, um plebiscito decidiria a volta da monarquia. Outros dizem que o general teria alimentado o ego do príncipe durante anos, mas que nunca o levou realmente a sério. Com o ocaso do gaullismo, o príncipe aproximou-se das posições progressistas, manifestando-se contra o racismo, o anti-semitismo e a xenofobia.

Aos 66 anos, Henri, o novo pretendente ao trono da França, nunca se meteu em política. O primeiro ato do novo herdeiro foi se autonomear conde de Paris e duque de França e a mulher, Michaela, que já tinha recebido do sogro o título de princesa de Joinville, virou duquesa de França. A ex-mulher, Thérèse, é duquesa de Montparnasier. Esses títulos não têm nenhum valor legal numa república. Mas não deixam de ter alguma utilidade. Henri não hesita em utilizar o título como vulgar estratégia de marketing e propósitos mercantis. Ele lançou dois perfumes, batizados modestamente Royalissime e Lys Bleu, a flor símbolo da monarquia na França. Que os plebeus podem comprar em todas as boas lojas do ramo.

Colaborou Kátia Mello


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