Sem embargar a seriedade e a competência de quem organizou a mostra Volpi – obras selecionadas, décadas de 40, 50, 60, 70 e 80 – que está associada ao nome do colecionador Ladi Biezuz, um dos mais dedicados e profundos conhecedores da pintura de Volpi –, em cartaz no Sylvio Nery da Fonseca Escritório de Arte, é preciso dizer que ela fica comprometida pelo pequeno número de quadros do artista disponíveis na praça. Em sua grande maioria, as 25 telas provêm de uma só coleção particular, um universo restrito que impõe seus critérios. Numa verdadeira seleção para museu, quantas delas teriam sido escolhidas? Talvez um quarto. De qualquer forma, o que mais importa é o lembrete oportuno. Nos anos 70 começou a se formar o consenso em torno de Alfredo Volpi (1896-1988) e nos 80 já era chamado de "o maior pintor brasileiro vivo" – embora este juízo seja um pouco radical. No início da década de 90 parece ter havido certo refluxo do seu prestígio, provavelmente influenciado por sombras nefastas vindas do mercado. Começaram a surgir as falsificações, curiosamente sempre muito malfeitas, mas que foram compradas por alguns desprevenidos.

Com a criação, há quatro anos, de uma sociedade pró-catalogação da obra autêntica – cujo produto estará sendo lançado nas próximas semanas em CD-ROM –, os problemas mercadológicos diminuíram. Mas de que se compõem, efetivamente, a grandeza e glória de Volpi? Por certo que de qualidades formais – não entidades abstratas e intangíveis, e sim a concretização visual e visível, na tela, de uma vida e de um pensamento. Ambos foram muito peculiares neste imigrante pobre italiano, que nunca se naturalizou e chegou ao Brasil com menos de dois anos. Embora, por uma questão de geração, pudesse ter pertencido ao modernismo e à ilustre Semana de 22, dela estava afastado pela distância social. O modernismo e a Semana foram movimentos de artistas da elite, por esta apoiados. Volpi não passava de um operário, pintando as paredes dos palacetes da avenida Paulista onde os modernistas se reuniam. Seus grupos acabaram sendo o Santa Helena e a Família Artística Paulista, que na segunda metade dos anos 30 congregaram outros pintores humildes como ele.

Na verdade, Volpi foi um original, um criador de linguagem, essa raridade na arte brasileira, tão inevitavelmente cheia de epígonos, de "petits maîtres", de seguidores de modelos e escolas inventados na Europa. À sua maneira, foi também um rebelde. Já em plena glória, usava tamancos para pintar (mais tarde, tênis), e em 1976 recusou o convite de um governador para comemorar seus 80 anos em palácio: "Por que o governador não vem até aqui?" O episódio lembra Michelangelo, recusando-se a um chamado do papa Júlio II. Só que em Michelangelo era uma consciência de sua própria grandeza quase arrogante, e em Volpi era a simplicidade absoluta. Mas atenção: simplicidade não quer dizer rudeza, rudimentaridade. Volpi era muito inteligente e muito sábio. O fato de não ter completado sequer o curso primário não o impediu de, fundado apenas na prodigiosa intuição, construir um retrato decantado do Brasil, com uma autenticidade rara mesmo em artistas natos no País. "Bandeirinhas", "fachadas", "velas e mastros" são títulos mais ou menos metafóricos para delicadas, requintadas e ao mesmo tempo rigorosas composições geométricas, dentro das quais extravasa sua inigualável sensibilidade cromática. É tempo de rever tudo isso. É tempo de uma retrospectiva bem maior.