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CONTINENTE FAMINTO Além de sofrer com as guerras, a África padece com falta de água e comida

Chuva incessante e em escalada de crescimento e tornados no oeste do Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, seca prolongada e severa na Austrália, aumento na incidência de furacões e tufões no Golfo do México, degelo dos glaciares da Groenlândia e da Antártida, ilhas do Pacífico invadidas pelo mar – aqui e ali, pipocam sinais de que o clima da Terra está ficando mais quente de forma aparentemente irreversível, com todas as implicações que isso acarreta. O aquecimento global já virou até nome de acidente geográfico: ele batiza uma extensa ilha que o degelo pôs à mostra em 2008 na agora verdejante costa leste da Groenlândia.

A partir do momento em que passou a ser considerada com mais seriedade pelo meio acadêmico, a ideia de que somos os principais responsáveis pelas mudanças climáticas despertou forte reação contrária: cientistas céticos lembraram que, ao menos nesse aspecto, o planeta Terra nunca foi modelo de estabilidade. Apesar da oposição cerrada, apoiada em fortes interesses econômicos, a montanha de evidências reunidas ano após ano praticamente eliminou a dúvida. Nem o recente vazamento de mensagens eletrônicas de servidores da Universidade de East Anglia, na Grã-Bretanha, que mencionariam manipulações de dados científicos para combater a argumentação da ala cética, tem poder de fogo para derrubar o que vemos com nossos olhos.

Além dos rompantes de fúria da natureza já citados, a nova ordem ambiental do planeta já fez com que a fome atingisse boa parte dos seus 6,8 bilhões de habitantes, sobretudo na África – como se não bastassem os vários conflitos regionais que ceifam milhares de vidas a cada ano no continente. A manutenção das reservas de água potável também preocupa. Além de consumirmos o precioso líquido in natura e de despejá-lo de maneira totalmente irresponsável em calçadas varridas com mangueiras, por exemplo, ele hoje é usado intensamente na irrigação – mais precisamente, 64% de toda água gasta em um ano vai parar em plantações. Até quando ela estará à nossa disposição? Os movimentos populacionais provocados pela escassez de recursos naturais em regiões antes férteis e habitáveis também é fato inegável. Os refugiados do clima (leia quadro ao lado) compõem um grupo de excluídos a ser administrado por todas as nações.

Sabemos que o grande vilão do aquecimento global é a emissão de gases como o dióxido de carbono (CO2), o metano e o óxido nitroso. Ao lado do vapor d’água, esses gases se acumulam na parte inferior da atmosfera, permitindo que os raios solares aqueçam a Terra, mas impedindo que uma parcela desse calor volte para o espaço. Eles atuam, dessa forma, como uma estufa, levando a um aumento da temperatura na superfície. Os gases causadores desse efeito estufa sempre estiveram presentes no ar, mas em relativo equilíbrio. A partir da Revolução Industrial, porém, eles passaram a se concentrar na atmosfera em níveis bem acima dos naturais, retendo o calor perto do solo. Desde a década de 1970, as temperaturas médias subiram cerca de 0,4ºC – um aumento muito grande para ser debitado apenas na conta da mãe natureza.

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GUERRA E FOME Refugiados do Sudão sofrem com a escassez de alimentos no continente africano

Imprevisível O que acontecerá se nada for feito? De acordo com simulações realizadas por cientistas, as temperaturas médias subiriam aproximadamente 5,8ºC até 2100. E pode ser pior: os pesquisadores reconhecem que seus modelos não são precisos e uma série de fatores imprevisíveis pode influenciar esse quadro. Se, por exemplo, os oceanos, as florestas e o solo liberarem seus estoques de carbono ao mesmo tempo que a Terra está se aquecendo, o aumento de temperatura provavelmente será muito maior do que o causado unicamente pelas emissões humanas – e isso tem grandes chances de acontecer em breve.
Alguns setores até comemoram o aquecimento. Empresas de navegação, por exemplo, já aguardam ansiosamente a abertura de uma rota pelo Oceano Ártico, algo antes impensável em virtude do gelo marinho, e a Groenlândia começou a ter uma inédita atividade agrícola. Mas essas são apenas exceções à regra. Em termos de biodiversidade, a extinção já ameaça quem não se adaptar às novas condições ou não conseguir se mudar.

Revisão necessária É possível mudar o quadro atual mesmo depois da falta de perspectivas concretas pós-Copenhague? Os cientistas dizem que sim, e que já dispomos da maior parte da tecnologia necessária para fazê-lo. O essencial, afirmam, é reduzir as emissões de CO2, o que pode ser obtido com a intensificação do uso de energia renovável (solar, eólica ou a proveniente de biocombustíveis) e a fabricação de veículos e usinas de produção de energia mais eficientes e menos poluidoras. Programas como reflorestamento ou conservação do solo também ajudam nesse sentido. Diante do resultado das últimas negociações internacionais, resta apostar na boa vontade e nas ações locais de cada país.

As primeiras vítimas
Fabiana Guedes

Enquanto as nações de todo o mundo estudam meios para conter o avanço das consequências do aquecimento global, uma crise silenciosa e profunda se expande e atinge milhares de pessoas todos os dias. Ausentes nos grandes embates científicos – que focam no desenvolvimento de novas tecnologias para um mundo sustentável –, essas vítimas são obrigadas a deixar para trás casa e trabalho por causa da escassez de recursos naturais ou de mudanças drásticas no ecossistema onde vivem. Os refugiados climáticos somam 26 milhões, segundo o último relatório das Organizações das Nações Unidas. Projeções recentes indicam que este número deve aumentar, e muito, nas próximas décadas. De acordo com estudos da Organização Internacional para a Migração, divulgado este mês, em 2020 os refugiados climáticos serão 50 milhões. Em 2050, o número poderá chegar entre 250 milhões e 1 bilhão de pessoas. O problema agrava-se devido à ausência de um órgão que trate dessa questão. Ainda não há, no direito internacional, nenhum estatuto para refugiados climáticos. Conheça a situação de alguns dos países ameaçados pelas mudanças climáticas:

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INANIÇÃO Mãe e filho buscam ajuda na cidade de Tahoua, Níger

Atol de Carteret
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Há mais de 30 anos, os habitantes das seis ilhas pertencentes a Papua-Nova Guiné lutam contra o avanço do Oceano Pacífico. A água salgada ataca a vegetação e as casas dos moradores. Em maio, parte dos 2,6 mil habitantes começou a ser transferida para Bougainville, a 100 quilômetros de distância. A previsão é de que até 2015 o conjunto de ilhas desapareça completamente.

Níger
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Localizado na África Central – região mais atingida pelo processo de desertificação –, o país sofre com a poluição e o assoreamento do rio que o batiza. Os moradores locais já migram em busca de trabalho.

Brasil
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No extremo noroeste do Amazonas, os 41 mil moradores da cidade de São Gabriel da Cachoeira estão isolados. Nenhum barco ou balsa que opera na região chega à cidade. O rio Negro perdeu sua navegabilidade na área, reversível apenas no final de fevereiro. O número de moradores da cidade diminui a cada ano.

Vietnã
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O país está sofrendo com as cheias cada vez mais constantes do rio Mekong. O transbordamento atinge até 50% do território vietnamita nos períodos de cheia, onde se concentram 40% da área cultivada e 25% de seus 18 milhões de habitantes.

Tuvalu
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Com a elevação diária do nível do mar, provocada pelo degelo nos polos, a ilha do Oceano Pacífico corre o risco de se tornar inabitável em breve. A razão é simples: seu terreno tem altitude média de apenas um metro. A agricultura está se tornando inviável em todo o território e a pouca água doce não atende a demanda dos cerca de 12 mil moradores, que ainda insistem em permanecer na ilha. Cerca de três mil pessoas já se transferiram para as vizinhas Nova Zelândia e Austrália. Não por acaso, a delegação de Tuvalu teve papel importantíssimo na COP-15. Seus membros chegaram a interromper as negociações com protestos ruidosos algumas vezes.