Acredita-se que entre as características de um japonês nada seja mais atravessado do que o seu senso de ritmo. Por falta de malemolência, suas batidas, digamos, num agogô soariam como cadência militar. Considere: há uma lamentável escassez de negros no Japão, o que explicaria isso mais a assombrosa falta de jogo de cintura nos salões de baile do país. Bobagem! Como todas as generalizações, esta também não se sustenta. E a prova está na academia do mestre baiano João Grande, templo da capoeira de Angola, no coração de Manhattan. Takuya Sakamoto – o popular "Soneca" – nasceu e foi criado em Yokohama, mas toca um berimbau lascado. E canta: "Parana-uê; parana-uê, paraná!" Os cabelos de gomos rastafaris fazendo contraponto ao chocalho do caxixi. Assim como milhares de conterrâneos seus vivendo em Nova York, Soneca tem vocação para ser negro. Ele também é exemplar simbólico da mais inesperada moda na capital dos modismos: a dos "japonegros".

São legiões de jovens japoneses que assumiram na marra o seu lado afro. Soneca, por exemplo, dá rabo-de-arraia com uma perfeição de soteropolitano. Ele ouviu o chamado de Caymmi: "Você já foi a Bahia, nego? Não? Então vá!" Foi jogar capoeira na roda de mestre João Pequeno, em Salvador. Ficou lá 41 dias dando pernadas. Quem passear pelos lados do East Village vai esbarrar nessa enorme tribo, caminhando como que saída de um superbailão funk. Eles vêm com muito dinheiro na mão e um cabelo liso, e aos poucos criam uma superprodução. Passam por uma radical metamorfose. E sabe como é japonês: a cópia sempre foi seu forte.

No Soho, por exemplo, Mayu Yabe, cabelo pixaim tipo black power, até dá consultoria de estética hip-hop na butique Venus. Ela tem 24 anos, é de Tóquio, mas poderia ter recém-saído de um gueto do Bronx. "Meu visual é engraçadinho e sexy. Vejo as pessoas nas ruas, noto o que estão usando e crio uma persona baseada nas fantasias que tenho", define-se Mayu. Já sua colega Ayumi – "simplesmente Ayumi" – entende tanto de moda black que até faz a cabeça dos ídolos negros do rap. A cantora Foxy Brown – campeã de vendagens – esculpe seu cabelo com Ayumi.

"Os ocidentais comem sushi, os japoneses também podem consumir cultura negra americana", sentencia Carolina Gannon, a brasileira gerente da Venus, uma usina da moda hip-hop em Nova York. "O estilo absorve muito do american pop dos anos 70 e 80. Tudo o que é overdose eles gostam", diz Carolina. Como explicar esta confluência de gostos que faz uma encruzilhada de Hiroshima e Harlem? O psicólogo e sociólogo Richard Peyton, com passagem pela Universidade de Kioto e pesquisas sobre o comportamento jovem japonês, descreve: "A cultura japonesa é muito colorida, como a africana. Mas, ao imitar uma cultura tão distante da sua, os jovens japoneses estão se rebelando contra a rígida tradição de seus antepassados."

 

Preto velho E se o psicólogo tiver mesmo razão, o jovem Issaku Nakashima é um verdadeiro poço de revolta. Aos 21 anos, ele ostenta uma coiffure rastafari que parece um ninho de grandes pássaros terrestres. No coração do Greenwich Village, onde nada causa espanto, sobrancelhas se erguem diante daquele penteado. Mayu; Sakamoto; o artista gráfico Furucon – que incorpora um preto velho rápido; todos dizem o mesmo sobre as respectivas famílias: "Meus pais não entendem." E quem poderá culpá-los?

Quando os enviaram para Nova York, os papais desejavam apenas aumentar a experiência de mundo da prole. "Antes de os filhos pegarem no batente em empregos vitalícios e pouco criativos, é costume de japoneses abastados pagar uma estada em terras distantes. Depois, é tradição para sempre", diz o professor Peyton. É só medir pelo turistas como Kasuo Mosake, que mesmo de passagem, adotou um visual que fariam a cantora sul-africana Mirian Makeba se sentir em casa. Os tempos estão mudando e as famílias acabam recebendo de volta híbridos culturais. É a globalização na forma de um penteado ioruba.