Olhos nos olhos, Dilma Rousseff e Barack Obama tiveram a oportunidade, em São Petersburgo, de colocar em pratos limpos a vergonhosa espionagem conduzida pelos Estados Unidos contra países que deveriam ser tratados como parceiros. Não se sabe se Dilma deu um “guenta” em Obama ou se ele humildemente lhe pediu desculpas, como sugeriu o ex-presidente Lula, mas o fato é que o simples encontro bilateral, numa reunião do G-20, mostra que a relação Brasil-EUA mudou de patamar. 
 
Às vésperas de um encontro de cúpula em Washington, o governo brasileiro havia cancelado a viagem dos diplomatas que preparariam a reunião de outubro, sinalizando o enorme desconforto com o Big Brother montado pelo governo americano. Mas o gesto de Obama na Rússia, além de evitar um congelamento nas relações, serviu para mostrar ao mundo que o Brasil moderno exige respeito e se faz respeitar. Bem diferente de uma época não tão distante, quando até um chanceler tirava os sapatos na imigração americana.
 
Dias antes desse incidente, outra turbulência diplomática ganhou o noticiário, com a fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil, que redundou na queda do chanceler Antonio Patriota. Com a demissão do ministro, que havia perdido a autoridade na representação em La Paz, o governo Dilma enviou outra mensagem ao mundo: a de que também respeita a soberania de países vizinhos, sem se dobrar à crítica, feita por setores conservadores da sociedade, de que submete a política externa a princípios ideológicos e a interesses “bolivarianos”.
 
Na prática, Dilma segue uma espécie de “doutrina Chico Buarque de Holanda” no Itamaraty. O cantor e compositor costumava destacar, no governo Lula, aquela que considerava uma de suas maiores virtudes. “É um governo que não fala fino com os Estados Unidos nem grosso com a Bolívia”, dizia Chico.
 
Mas quem mais colocou em prática essa doutrina foi Dilma. Numa semana, a Bolívia; na outra, os americanos.
Para os que criticam a conduta de Dilma no episódio boliviano, basta colocar uma simples questão: o que diriam esses mesmos críticos se o ex-ministro José Dirceu, condenado na Ação Penal 470, se declarasse um preso político e se refugiasse na embaixada boliviana? Recomendariam a Dilma que concedesse o salvo-conduto? Provavelmente, sugeririam que o Brasil declarasse guerra à Bolívia. Uma outra pergunta é ainda mais constrangedora: e se Molina, em vez de boliviano, fosse, por exemplo, alguém considerado criminoso nos Estados Unidos e refugiado na embaixada brasileira em Washington? Teriam tido a coragem de resgatá-lo?