Fui apresentada ao ganhador do Nobel em economia, Thomas Sargent, esta semana.
Ele me olhou curioso e perguntou:
– Você tem pesadelos?
Eu respondi que sim. Ele insistiu:
– Quantos?
– O quê?
– Com que frequência você tem pesadelos?
– Pelo menos uma vez por semana.
– Que bom! Você é uma pessoa muito criativa, disse-me ele abrindo um sorriso. Para, em seguida, completar:
– Eu nunca tenho pesadelos…

Intuí que não seria uma entrevista fácil. Sargent daria uma palestra no Congresso Internacional de Mercados Financeiro e de Capitais da BM&FBovespa, em Campos do Jordão (SP), e minha missão seria mediar um debate entre ele e a plateia. Ora, se um Nobel em economia não se considera uma pessoa criativa e se a primeira pergunta que faz ao conhecer alguém é se essa pessoa tem pesadelos, onde teria ido parar o professor que consolidou a Teoria das Expectativas Racionais?

Na sala do Centro de Convenções, onde esperávamos o momento de subir ao palco, ele pediu café. Descafeinado. Duas xícaras. Enquanto isso, mudou parte da apresentação que faria. Tirou vários slides com fórmulas matemáticas e aumentou a parte sobre a Revolução Francesa. Feito isso, me perguntou se tínhamos tempo para tomar sol. Tomar sol?

Caminhamos até a área externa do prédio e ficamos ali, o Nobel e eu, na calçada. Ele me explicou, então, que lera um artigo, certa vez, sobre a relação entre pesadelos e criatividade. Citou o nome dos autores da tese, como se quisesse reforçar a importância do tema. E a partir daí me fez muitas perguntas. Como é a educação no Brasil, quanto ganham os professores, se as crianças aprendem alguma coisa sobre finanças.
– Nos Estados Unidos não se aprende nada sobre finanças na infância. Mas qualquer um pode virar um PhD! Está tudo errado.
Sargent quis saber o que eu tinha na perna, que me incomodava visivelmente.
– Tenho dor. Artrose na lombar. Preciso de cirurgia.
– Isso se resolve, comentou ele, como se tudo mais fosse tão mais importante.
Um mistério os caminhos do raciocínio do professor. Mais tarde me contaram que no lobby do hotel onde todos nos hospedamos, ainda de manhã, Sargent engatou um papo com alguém e também fez dezenas de perguntas sobre os mais diversos temas.

Durante sua apresentação, Sargent gastou mais da metade de seu tempo na Revolução Francesa. Queria demonstrar que o descontrole fiscal, o grande responsável – sempre – pela inflação, foi o que levou o rei à guilhotina. Durante a entrevista, achei melhor não tentar nenhuma analogia com o caso brasileiro. Focamos nos Estados Unidos.
– Acho que em 40 anos a moeda americana não terá mais a mesma importância. Não sei por que tanta gente corre para o dólar.
Disse isso assim, como se fosse um comentário banal. Uma coisa boa de não estar mais no jornalismo diário é que posso me concentrar mais em como meu interlocutor dá suas respostas e menos na resposta em si. Sargent é comedido e sucinto. Não faz sentenças. Dá recados.

Ao final do painel, algumas pessoas me perguntaram se ele estava ouvindo bem e por que demorava pelo menos dez segundos antes de responder às perguntas. Seria a idade? Sargent recém completou 70 anos. Não creio. O Nobel me pareceu um homem de boa saúde. E de extrema lucidez. Talvez por isso só diga o que quer e quando quer. E tenho certeza de que ele tem toda razão sobre meu principal pesadelo. A cirurgia na coluna. Isso se resolve.

Ana Paula Padrão é jornalista e empresária