Economistas, empresários e a mídia têm encarado os níveis atuais da taxa de câmbio como um “novo patamar”, segundo palavras até do ministro Mantega. Desde que o regime de taxa de câmbio flutuante foi adotado em 1999, são raros os períodos em que o dólar oscilou apenas dentro de bandas, sem tendência de alta ou baixa. Nesses quase 15 anos, isso ocorreu apenas duas vezes. A primeira, de maio de 2003 a abril de 2004, com o dólar entre R$ 2,80 e R$ 3; depois, de maio a dezembro de 2012, com o câmbio entre R$ 2 e R$ 2,15. No total, foram 20 meses, apenas 11% do período. Ciclos em que o dólar no Brasil subiu ou caiu foram oito vezes mais comuns.

Desde agosto de 2011, o real tem se desvalorizado. Esse movimento se aprofundou a partir de março deste ano. Dois fatores externos causaram a desvalorização, intensificados por alguns fatores internos. A desaceleração econômica na China reduziu a procura e o preço das matérias-primas que exportamos, diminuindo a oferta de divisas no país. Recentemente, o banco central americano, o Fed, sinalizou que, com a economia americana em recuperação, vai interromper a injeção de enormes volumes de dólares. Isso elevou a taxa de juros nos Estados Unidos, atraindo investimentos e fortalecendo o dólar.

A esses fatores externos somaram-se, em um primeiro momento, atuações do nosso Banco Central para enfraquecer o real. Em seguida, vieram preocupações com o rumo da economia brasileira, com a alta da inflação, o crescimento decepcionante do PIB, medidas do governo para reduzir a rentabilidade de investimentos e manifestações nas ruas, criando incertezas políticas e econômicas.

Com tantas pressões, é bastante natural que o real tenha perdido valor. Enquanto a maior parte delas persistir, a tendência de desvalorização continuará. O governo brasileiro adotou várias medidas para tentar reverter esse quadro. A mais recente foi a promessa de venda de US$ 60 bilhões em derivativos cambiais nos próximos meses. Isso elevará a oferta de dólares no mercado brasileiro, mas isoladamente não será suficiente para estabilizar o real nos patamares atuais por períodos longos.

Em algum momento nos próximos meses, uma inversão de tendência da taxa de câmbio, com o real se valorizando, deve ocorrer porque os fatores externos que levaram à desvalorização do real estão mudando ou mudarão em breve. A queda do real e demais moedas dos emergentes foi consequência de surpresas positivas com o crescimento nos países ricos e negativas nos países em desenvolvimento nos últimos trimestres. Esse desequilíbrio irá se corrigir de uma forma ou de outra.

A possibilidade otimista é de que o crescimento dos países ricos estimulará as exportações e a recuperação dos emergentes, melhorando suas balanças comerciais e sua capacidade de atrair investimentos e fortalecendo suas moedas, incluído aí o real.

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Pode, porém, ocorrer exatamente o inverso. O baixo crescimento e as moedas desvalorizadas dos emergentes reduziriam suas importações, abortando recuperações ainda incipientes nos EUA, na Europa e no Japão. O Fed seria forçado a voltar a estimular a economia americana, expandindo a oferta de dólares no mundo, levando a cotação do dólar a cair.

Não planeje suas viagens, importações e exportações para os próximos anos baseando-se nos atuais patamares do dólar. Quem fez isso no final de 2002 ou de 2008, quando o dólar chegou a atingir respectivamente R$ 4 e R$ 2,80, se deu mal. Desta vez, não deve ser diferente.

Ricardo Amorim é economista, apresentador do programa “Manhattan Connection”, da Globonews, e presidente da Ricam Consultoria


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