O economista alerta que o PAC não bastará para o Brasil decolar e que o progresso depende da reforma política

O telefone toca – a melodia, nervosa, é o tema do filme Pulp fiction – e Luís Paulo Rosenberg atende a chamada de mais um investidor estrangeiro. Como tantos outros, quer investir no Brasil, mas não entende por que os juros aqui são tão elevados (a taxa básica está em 12,75% ao ano) e inibem o crescimento econômico. “Por causa desses juros, somos motivo de chacota lá fora”, reclama o economista, que assessorou os governos Figueiredo e Sarney, nos anos 70 e 80 do século passado, e hoje tem uma empresa de consultoria econômica, a Rosenberg & Associados. O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado este ano pelo governo Lula, não será suficiente para fazer o PIB voltar a crescer a taxas mais vigorosas que os medíocres 3,5% ao ano (segundo a nova metodologia do IBGE), alerta. “Crescimento é uma coisa muito mais grandiosa do que somar 20 programas de governo”, diz. Se quiser avançar, o Brasil precisa definir aonde quer chegar – como fizeram a China, a Coréia do Sul e o Chile – e fazer urgentemente uma reforma política, receita Rosenberg.

ISTOÉ – O IBGE refez o cálculo do PIB e o Brasil cresceu 11% a mais no ano passado. Crescemos por decreto?
Luís Paulo Rosenberg

Nada mudou. O País não cresceu mais, os indicadores não melhoraram. Mas a mudança de metodologia é correta. O IBGE precisa atualizar o cálculo do PIB. O importante é manter, por algum tempo, as duas séries, para dar comparabilidade.

 

ISTOÉ – Com o novo PIB, o Banco Central pode sofrer mais pressão pela queda dos juros?
Luís Paulo Rosenberg

O BC é totalmente imune à pressão. Não há justificativa econômica nem teórica para esse nível de juros. Pode ter justificativa subjetiva: o concubinato do Brasil com a inflação foi tão prolongado e perverso que pagamos um preço excessivo até hoje. A sociedade se submete a um exercício de autoflagelação para ter certeza de que aquela praga não volta mais. O juro alto é como uma faixa na porta de entrada do Brasil: “Abominamos investidores, consumidores e exportadores.” Não é o sinal correto numa sociedade com déficit de crescimento como a nossa. O resultado final é esse. A Argentina cresce mais, nós crescemos quase nada.

ISTOÉ – Esta comparação não é injusta? A Argentina teve uma recessão muito grave antes de voltar a crescer.
Luís Paulo Rosenberg

A Argentina está crescendo (8,5% ao ano) e ultrapassou todos os níveis de renda que teve no passado. É muito complicado quando o banco central tem como única missão segurar a inflação. Nos Estados Unidos, a missão do Fed (banco central) é maximizar o crescimento sem permitir o descontrole de preços. Aqui, o BC age como se estivesse tratando um ex-viciado em cocaína: não permite que se aproxime nem de um cigarro. Não é sadismo, é trauma pela leviandade com que o problema de preços foi tratado no Brasil, principalmente pela esquerda.

ISTOÉ – O ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci revelou que o presidente Lula é mais conservador com a inflação do que a própria equipe econômica. Qual é o problema em reduzir os juros de forma mais acelerada?
Luís Paulo Rosenberg

O presidente é solitário nessa decisão. Sofre pressões de todos os lados e decide. Nesse debate, quem recomenda juros mais baixos fala o que ele quer ouvir. Só que o presidente do BC diz: “Se eu estiver errado e fizermos o que estou recomendando, vamos postergar o crescimento, mas estaremos com inflação menor, credibilidade alta, respeito internacional. Mas se eles estiverem errados e o senhor forçar a baixa dos juros, a inflação vai voltar, o câmbio vai disparar, vamos perder a credibilidade e entraremos em crise. Qual dos dois cenários o senhor prefere?” A tendência natural do leigo é jogar na retranca. O Fernando Henrique caiu na mesma arapuca. O presidente Lula manda recados (ao presidente do Banco Central Henrique Meirelles) pelo ministro da Fazenda, mas não peita a decisão de derrubar os juros.

 

ISTOÉ – O Brasil está fadado a crescer a taxas medíocres, de 3% ao ano?
Luís Paulo Rosenberg

Não está fadado, está subjugado. Não tenha dúvida: o que está impedindo o crescimento no curto prazo é a taxa de juros. Por causa desses juros, somos motivo de chacota lá fora. Temos uma complacência muito brasileira em relação às medidas estruturais necessárias. A discussão fica focada em juros e câmbio. Não fazemos nada em relação à carga tributária que não pára de crescer, ao peso da Previdência, à morosidade do Judiciário, à insuficiência de infra-estrutura, à necessidade de entrar com PPPs (parcerias público-privadas) para valer. São cascas de banana que jogamos para a frente e irão provocar quedas com fraturas expostas. Estamos deixando um período paradisíaco do cenário internacional, sem fazer os ajustes e sacrificando o crescimento.

ISTOÉ – A ministra Dilma Rousseff vetou a PPP das rodovias. Por que essas parcerias não vingam no Brasil?
Luís Paulo Rosenberg

Nosso drama é estrutural. Não temos um projeto de país. Não colocamos claramente para a sociedade quais são as opções existentes. Se quisermos um Brasil com a cara da China, com aquele nível de crescimento, industrialização, comércio internacional, competitividade, temos que mostrar os custos para a sociedade.

ISTOÉ – Quais custos são esses?
Luís Paulo Rosenberg

Uma taxa cambial mais vantajosa para o exportador. Um maior direcionamento da política econômica. Um esforço para diminuir a carga tributária, os encargos trabalhistas e o ônus da Previdência. E uma transferência de poder para o setor privado. Quando o governo faz uma concessão, uma PPP ou uma privatização, encolhe o setor público e sacrifica cargos, tira a possibilidade de um político interferir numa concorrência. Mas não temos um projeto nacional, ninguém sabe aonde o Brasil quer chegar. Não existe comprometimento.

ISTOÉ – Qual país faz isso?
Luís Paulo Rosenberg

O Chile, a mais liberal das economias. O processo de amadurecimento político permitiu o descarte de uma ditadura sangüinária por um governo de esquerda que manteve as virtudes da política econômica. A China também sabe aonde quer chegar. A Coréia do Sul tem um projeto de país há 50 anos. Em 1980, tinha metade do grau de industrialização do Brasil. Olha o que é hoje.

ISTOÉ – Como emplacar um projeto nacional no Brasil, um país com um sistema político fragmentado, alto grau de fisiologismo e partidos sem identidade?
Luís Paulo Rosenberg

Tudo começa realmente com a reforma política. Com o voto distrital, o eleitor sabe em quem votou, quem o representa e o que fez. Pode cobrar na eleição seguinte e demitir o político que não cumpre a promessa. A proliferação de partidos tem um caráter democrático, mas por outro lado abastarda, mercantiliza a atuação política.

ISTOÉ – Como fazer a reforma política com esse Congresso?
Luís Paulo Rosenberg

Precisamos ter uma liderança muito firme, corajosa. Como foi o caso do (ex-presidente Fernando) Collor. O Collor tinha um projeto de Brasil, pensado e meditado, que implementou por completo. Tudo o que estamos fazendo recentemente começou em seu governo: abertura da economia, fim de subsídios, fim de proibição de importação. Fez, mas acabou impedido.

ISTOÉ – Quem pode ser esse líder?
Luís Paulo Rosenberg

Até a próxima eleição, o (governador de Minas Gerais) Aécio Neves pode ser uma grata revelação. Tem uma interessante experiência executiva e parlamentar. Sempre foi muito ousado na ação, sem perder a habilidade política. Tem os traços positivos do Collor, junto com a maturidade política do avô (o presidente eleito Tancredo Neves). Se o sistema político não privilegiar o novo, o criativo, o próximo presidente vai acabar refém dos PMDBs da vida. Este Ministério é um dos mais medíocres que já tivemos.

ISTOÉ – É mais uma tentativa de fortalecer a figura do Lula ou mera incapacidade de atrair bons nomes?
Luís Paulo Rosenberg

 É o resultado de ter que fazer uma grande maioria política. Fica esse varejão. A última coisa que discutimos é qual o país que queremos construir. É engraçado, pois nossa tradição é oposta. O Getúlio Vargas tinha um plano de governo muito claro. O Juscelino Kubitschek fez um que contemplou todos os setores. Até o demagogo do Jango (João Goulart) tinha um plano trienal de excelente qualidade. A ditadura militar sempre teve um planejamento de longo prazo. Com o (Ernesto) Geisel esse movimento caiu. De lá para cá, não fizemos mais isso a sério. O Fernando Henrique fez o Avança Brasil, o Lula fez o PAC.

ISTOÉ – Esse pacote vai funcionar?
Luís Paulo Rosenberg

 O crescimento de um país não se faz com pacotes. Como o Avança Brasil, o PAC é uma tentativa tímida de juntar gastos públicos a gastos privados. Crescimento é uma coisa muito mais grandiosa do que somar 20 programas de governo inteligentes e bem concebidos. Se queremos ser a maior nação agropecuária do mundo, limitados a minérios e produtos da terra, estamos no caminho correto. Com esse câmbio e esses juros, temos grandes produtores de commodities e inviabilizamos totalmente o resto da indústria. Se isso nos contenta, ficaremos sujeitos às flutuações dos mercados internacionais. Se queremos ser uma China, temos condições para isso. Na pauta de exportações, 75% dos produtos brasileiros não chegam a 1% cada um. Fazemos de tudo, de insumos a bens de consumo. Somos competitivos, temos uma classe empresarial fortalecida em todos os ramos da economia. Não somos um país que se especializou em kiwi e cobre.

ISTOÉ – Com tantos entraves ao crescimento, por que o capital estrangeiro continua vindo para o Brasil e as empresas continuam investindo?
Luís Paulo Rosenberg

Se não tivéssemos todos esses problemas, estaríamos crescendo a taxas de 10% ao ano. A receita é não inventar. A essência da globalização é a seguinte: siga os mesmos parâmetros econômicos do resto do mundo. O preço do petróleo tem que ser parecido. O preço da energia e a carga tributária, também. A taxa real de juros não pode ser muito diferente. O governo brasileiro só atrapalha a vida da sociedade. Mas o que temos de positivo – criatividade, ousadia, qualidade de mão de obra e disponibilidade de recursos naturais – é tão forte que mesmo assim conseguimos ficar na fronteira do capitalismo.

ISTOÉ – Que medidas práticas o governo precisa tomar?
Luís Paulo Rosenberg

O mais importante é a política. Se você acredita em democracia, precisa que ela funcione. A democracia funciona quando distribui prêmios e castigos. Essa nossa democracia está um desastre. A reforma política é a mais importante e difícil de todas. Como trazer de volta a proporcionalidade da representação de São Paulo e do Piauí? Essa é a questão. O Congresso nunca deixou de fazer o que a sociedade demandou explicitamente. É um dos Congressos mais dóceis do mundo. Se ninguém manda recado, começa mensalão, essas coisas.

ISTOÉ – O povo está mais preocupado com o crediário do que com a política.
Luís Paulo Rosenberg

 Ninguém está mostrando quais são as opções. O eleitor mostrou com muita clareza a avidez que tem pela estabilidade de preços. O primeiro a perceber isso foi o Sarney. De lá para cá, esta é a bandeira vitoriosa, a ponto de o Lula sacrificar crescimento por inflação mais baixa. O eleitor não é burro. O que precisamos é ir para a rua, fazer a campanha. Fizemos campanha pelas eleições diretas. Precisamos empunhar essas bandeiras.

ISTOÉ – E se nada mudar?
Luís Paulo Rosenberg

Isso vai estourar lá na frente. Ou sob a forma de crise econômica ou, se passar da conta, de crise política. Nunca devemos perder a lição de 1964. Se tivéssemos feito uma pesquisa em 31 de março se o povo queria ou não a ditadura para tirar o presidente, é claro que os militares iam ganhar. Evitar a instabilidade política é uma das boas razões para não deixarmos o quadro econômico acumular contradições a ponto de não encontrarmos mais uma saída – e isso acontece quando o mundo entra em crise. Parece que ninguém leu a fábula da cigarra e a formiga!