De todos os horrores perpetrados pelo homem contra o seu semelhante, nada é mais abominável, incompreensível e inominável do que matar crianças. A praga da perversidade, que de tempos em tempos se manifestava sob diversos ardis, desta vez desabou sobre a Síria, na forma de bombas químicas arremessadas contra civis. Morreram asfixiadas 1,3 mil pessoas. Talvez muito mais. Entre elas, meninos e meninas. Centenas deles. O que dizer sobre os corpos enfileirados no passeio público, cobertos por mortalhas brancas, sem sinais aparentes de violência? O que dizer sobre as faces enrijecidas, expostas em plena rua, a não ser que são imagens que demoram para desaparecer da memória? O ataque na Síria alcançou um patamar de maldade que rompe as fronteiras da civilização. É a barbárie pura e simples, suscitada pelas mãos ignominiosas dos monstros que lançaram as armas químicas.

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BARBÁRIE
Crianças vítimas do massacre: estima-se que
mais de 1,3 mil pessoas morreram asfixiadas

Quem cometeu o massacre?

Denúncias de um ataque químico – o maior desde o início da guerra civil –
no subúrbio de Damasco elevam a violência a outro patamar na Síria.
O presidente Bashar al-Assad é o principal suspeito

Mariana Queiroz Barboza

Nos últimos dois anos, a guerra civil na Síria provocou a morte de 100 mil pessoas. Apenas na semana passada, 1,3 mil vítimas foram adicionadas a essa contagem macabra. Desta vez, porém, a história é diferente. Segundo a oposição síria, o subúrbio da capital Damasco foi alvo, na madrugada da quarta-feira 21, de um ataque químico coordenado pelas forças do regime do ditador Bashar al-Assad. Se comprovada a denúncia, uma intervenção militar do Ocidente será tão necessária quanto inevitável. Há um ano, o presidente americano Barack Obama estabeleceu o uso de armas químicas como uma “linha vermelha” que mudaria seus cálculos em relação ao conflito. Logo após as notícias do horror, inspetores da Organização das Nações Unidas foram enviados à Síria para decifrar as circunstâncias da tragédia. O papel dos agentes da ONU é ingrato. Para chegar ao local do atentado, a 15 minutos de carro do hotel em que estão hospedados, de acordo com o jornal “The New York Times”, eles precisam da autorização do governo, que tem se mostrado pouco disposto a colaborar, e trabalham com um prazo limitado para chegar a uma investigação conclusiva. Só neste ano, há ao menos outros cinco relatos de usos de armas químicas no país, em que o Exército e os rebeldes se acusam mutuamente de serem os autores. Quem, afinal, responderá por mais essa barbárie?

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ARMADOS
Rebeldes contra o governo Assad: eles também
têm um longo histórico de violência

Dezenas de vídeos que circularam pela internet mostram a destruição causada pelas armas químicas em Damasco. Devido às barreiras que o governo sírio impõe a jornalistas, é difícil comprovar sua autenticidade. Nem por isso as imagens são menos impressionantes. Em um dos vídeos, homens socorrem pessoas desesperadas, com narizes e bocas cobertos por panos, enquanto outras parecem estar em convulsão. Ao lado delas, e em toda parte, corpos inertes. Entre eles, muitas crianças e mulheres. Em outro vídeo, aparecem centenas de cadáveres sem qualquer ferimento, um indício inequívoco de que a morte teria sido provocada por gases letais. Embora o Exército e o governo sírio neguem a autoria do ataque contra seu próprio povo, é pouco provável que a ação tenha sido articulada por outro grupo. Não porque os rebeles sejam menos sanguinários. Para Jeffrey White, especialista em Síria do centro de pesquisas Washington Institute, o atentado no meio da noite foi bem executado e falta aos rebeldes capacidade para organizar um ato dessa dimensão. Além disso, as áreas atingidas, majoritariamente muçulmanas sunitas, são locais onde o regime luta, sem muito sucesso, para retomar o controle. Assad, que mantém certo apoio entre os cristãos, é muçulmano alauíta, uma minoria dentro da população do país. “O presidente sírio não está nem aí para as ameaças dos Estados Unidos e da Europa e pode ter usado o atentado para mostrar seu poder”, disse White à ISTOÉ. “Esse seria um passo para a escalada da violência contra os sunitas e estabeleceria um novo nível de tirania.”

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TIRANO
Segundo especialistas, o presidente Assad não está
preocupado com uma possível intervenção ocidental

O agravamento do cenário acontece num momento em que Assad parece estar vencendo a guerra civil. Em junho, as tropas leais ao ditador recuperaram a cidade estratégica de Qusayr, na fronteira com o Líbano, e o regime se fortaleceu na medida em que a oposição se dividiu. Os guerrilheiros do Exército Livre da Síria, por exemplo, se distanciaram de seus aliados da Al Qaeda depois do assassinato de um comandante. Ao mesmo tempo, China e Rússia, que têm assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mantiveram-se ao lado de Assad em fóruns multilaterais e vetaram todas as resoluções contra o país. O apoio, que também vem do Irã, foi importante quando, há um ano, muitos analistas davam como certa a queda do presidente. Naquela época, o núcleo duro de Assad havia sofrido um golpe com o bombardeio à sede da Segurança Nacional, que matou, entre outros membros do governo, o ministro da Defesa e o vice-presidente, cunhado do ditador.

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FUGA
Milhares de refugiados sírios enfrentam o deserto para escapar do país

Na semana passada, depois de uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, o ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, defendeu o uso da força pela comunidade internacional no conflito. Os russos endossaram os pedidos de investigação do atentado, mas por acreditarem que seja uma “provocação premeditada” da oposição para chamar a atenção das Nações Unidas. Mais pressionados estão os Estados Unidos. “Chegou o momento de uma intervenção, mas não deve acontecer tão cedo, porque Obama não está interessado nisso”, afirma Jeffrey White. “É ultrajante a situação da população síria, que é totalmente incapaz de se proteger de armas químicas.” Na quinta-feira 22, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Jen Psaki, disse que a orientação de Obama à inteligência é reunir urgentemente informações sobre o ataque. Até lá, os sírios continuarão a viver sob um Estado que desconhece o valor dos direitos humanos.

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