Nos três romances policiais do filósofo e psicanalista Luiz Alfredo Garcia-Roza – uma das grandes revelações da literatura policial brasileira -, o delegado Espinosa promete organizar seus livros, empilhando-os em uma estante imaginária. Depois de O silêncio da chuva, que ganhou o prêmio Jabuti de 1996, e de Achados e perdidos, o desafio do personagem se mantém em Vento sudoeste (Companhia das Letras, 210 págs., R$ 23), mas, assim como ele não arruma sua sala, seu raciocínio rico em variáveis nunca o leva a desvendar crimes. Quando a narrativa começa, não há assassino, nem morte, nem corpos. Espinosa ouve com atenção Gabriel, um rapaz aterrorizado com o vaticínio feito por um mago de sotaque castelhano de que irá matar alguém até seu próximo aniversário.

É espantoso como o delegado titular do distrito do bairro carioca de Copacabana, cercado por gente da pesada, perca tempo com um aparente malucão que acredita na hipótese de se tornar um assassino, mesmo sem motivo. Garcia-Roza, contudo, não criou Espinosa para ser um investigador qualquer. Seu anti-herói sofre de um mal-estar com a vida e nunca está à vontade em lugar nenhum. Reflete mais que age. E por isso é capaz de dar crédito a uma história esdrúxula. A bem da verdade, o delegado nem é o personagem principal de Vento sudoeste. Gabriel e a geografia do Rio de Janeiro têm muito mais destaque na trama. O policial funciona só como fio condutor no questionamento do lado sombrio da alma humana. Sem divã nem formalismo, para que o leitor consiga degustar com Espinosa a lasanha à bolonhesa congelada a que recorre em seus momentos de investigação psicológica, à medida que mergulha na vida dos personagens. No final, ao delegado sobrará a sala bagunçada e idéias embaralhadas. Ao leitor, a garantia de divertimento.


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