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O esquema clandestino montado por empresas da área de transporte sobre trilhos está longe de ser uma exclusividade paulista. Investigações e denúncias pelo país inteiro mostram que o cartel possui tentáculos em diferentes Estados e comanda algumas das maiores e mais onerosas obras públicas. O governo federal  pagou entre 2004 e 2013 mais de R$ 460 milhões para as empresas Siemens, Alstom e CAF, três das 19 empresas suspeitas de envolvimento no propinoduto paulista. Na semana passada, a procuradora da República em São Paulo, Karen Louise Jeanette Kahn, pediu acesso às investigações em andamento no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), alegando que há suspeitas de que o esquema chegou a grande parte do País por meio de licitações federais, especialmente na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). “Pode haver um cartel generalizado e espalhado em Estados e municípios. É preciso investigar”, disse ela.

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As suspeitas de irregularidades envolvendo empresas do escândalo do Metrô paulista em obras federais realizadas nos Estados sempre chamaram a atenção dos órgãos de fiscalização, mas os processos nunca foram concluídos. Levantamento realizado por ISTOÉ mostra que há uma relação direta entre obras tocadas por essas empresas e a abertura de investigações, como se elas fossem personagens inevitáveis desse tipo de investimento. Na Bahia, o carro-chefe da campanha do petista Jaques Wagner ao governo foi a conclusão das obras do metrô da capital, comandadas por um consórcio encabeçado pela Siemens. No ano passado, o mesmo discurso foi repetido pelo atual prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM). O metrô de Salvador é uma obra necessária à população e tem grande apelo eleitoral, mas segue levantando suspeitas de superfaturamento. Há dois anos, o Ministério Público Estadual apura o destino de mais de R$ 400 milhões que teriam sido desviados desde 1999. Em 13 anos de investimento, o metrô soteropolitano é um pequeno fantasma do que deveria ser e, no total, já consumiu mais de R$ 1 bilhão. Nas mãos de um consórcio igualmente formado pela Siemens está também a construção da Linha Sul do metrô de Fortaleza, outro projeto gigante na mira do Cade. A obra da Linha Sul, com 18 estações, custou R$ 1,5 bilhão. Desse total, o TCU estima que pelo menos R$ 150 milhões foram superfaturados e parte desse dinheiro teria sido usada para pagar facilitadores do contrato. As investigações ainda não foram concluídas.

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Os empreendimentos encabeçados por empresas investigadas por formação de cartel em obras tão milionárias quanto suspeitas incluem também o metrô de Porto Alegre. Na capital gaúcha, a  Alstom detém 93% do consórcio vencedor, em parceria com a espanhola CAF. Apesar de ainda estar em fase inicial, a obra é alvo de pelo menos três denúncias apresentadas ao Ministério Público. Uma delas, de fonte anônima, muito comum em casos dessa natureza, diz que a prefeitura suspendeu uma licitação para dar tempo ao consórcio encabeçado pela Alstom de combinar os preços para que ela fosse a única a se apresentar na licitação. As outras duas suspeitas recaem novamente sobre o superfaturamento. É que a obra está inicialmente orçada em R$ 243,7 milhões. Isso quer dizer que cada trem licitado custará quase R$ 17 milhões: preço muito superior à média de R$ 13 milhões encontrada pelos órgãos de fiscalização.

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A Alstom também está presente na polêmica  transposição do rio São Francisco. A mais cara obra do governo federal foi calculada inicialmente em cerca de R$ 4,5 bilhões. A previsão de gastos já passa de R$ 8,2 bilhões, mas não há nem sequer previsão para a conclusão das obras. Pelo contrário, parte do que foi feito terá de ser reformado. A empresa francesa forneceu quatro bombas para a transposição por meio de um contrato assinado em 2007. Os custos dessas bombas são analisados pelo Tribunal de Contas da União desde 2008, mas o processo nunca foi concluído. O Ministério da Integração abriu cinco processos de investigação para apurar sobrepreços nas obras da transposição. Por enquanto, os técnicos já encontraram cobranças indevidas por parte das empresas e superfaturamento em alguns dos trechos. Irritada com o rumo das investigações, a Alstom pressionou o governo. Atribui-se a seus movimentos a demissão de sete técnicos terceirizados, responsáveis por fiscalizar os contratos.

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Os tentáculos das empresas acusadas de comandar um cartel para ganhar obras públicas chegaram também ao setor elétrico. Em Itaipu, um processo da Justiça Federal apura se funcionários da usina participaram de uma negociação com representantes da Siemens e da Alstom para liberar quase R$ 200 milhões que as empresas cobravam na Justiça desde 2002. Em Santa Catarina, as suspeitas giram em torno da Usina Hidrelétrica de Itá. O contrato da obra foi fechado em 1999 e orçado em R$ 700 milhões. A suspeita, alimentada por um processo das autoridades suíças,  é de que, para ganhar a licitação, a Alstom pagou quase R$ 5 milhões de propina. Como se vê, a abrangência dos contratos das empresas do cartel é uma preocupação para o Planalto e também para políticos dos mais variados partidos.

Os processos que a Siemens e a Alstom enfrentam no mundo inteiro demonstram que os problemas brasileiros não são um caso isolado. Investimentos em infraestrutura envolvem despesas de vulto e  tecnologias de ponta que poucos  têm competência para oferecer. São empresas de caráter monopolista, que precisam de escalas gigantescas para se sustentar. Nenhum País, isoladamente, consegue ter mercado para estimular a concorrência interna e por isso o  mercado global funciona como uma arena onde os campeões nacionais disputam a clientela de outras nações. Nessa guerra cada vez mais difícil, a maioria das empresas pratica, fora de casa, um jogo sujo que não admite em seu próprio País.

Foto: WILSON PEDROSA/AE
Fotos: Arquivo/Ag. O Globo


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