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Corria setembro de 2007 quando uma iniciativa improvável uniu dois planetas hoje bastante íntimos, mas que, à época, pareciam pertencer
a galáxias distintas. De um lado, o então rotulado como templo do luxo de São Paulo, a megaloja Daslu. De outro, alguns dos artistas da nova geração da chamada street art. Na galeria montada entre tailleurs e scarpins, um nome se destacava entre os outros talentos reunidos na ocasião. O paulistano Stephan Doitschinoff já indicava àquela altura ter decolado para além dos vínculos óbvios com o grafite e as referências do skate, do hip-hop e das quebradas. Havia ali um universo mais complexo, um repertório mais denso que saltava das telas e saía bailando pelos hoje já extintos corredores repletos de bolsas, sapatos e roupas.

A foto desta página talvez ajude a explicar os diferenciais que pouco depois ajudaram a projetar internacionalmente o trabalho de Stephan, exemplificado na página ao lado. Desde sempre, o garoto com nome de gringo gostou de interagir com artistas de todas as origens. Foi assim quando se mudou para a cidade de Lençóis, na Chapada Diamantina, e por lá ficou dois anos fazendo intervenções nas paredes das casas, no cemitério e até no interior de uma capela ou ainda quando partiu para Trás-os-Montes, em Portugal, aprendendo com os mestres locais as ancestrais técnicas das máscaras ibéricas, feitas de couro e metal.

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Doitschinoff, à direita, encontra o mestre xilógrafo José Lourenço

A xilogravura é outra paixão e seu trabalho tem grande influência de mestres que elevaram a técnica ao seu ponto máximo, como o alemão Albrecht Dürer, um dos principais artistas do Renascimento nórdico, e Gustave Doré, pintor, desenhista e principal ilustrador de livros da França do século XIX. Mas aqui mesmo, no Brasil, havia uma referência fundamental e uma das fontes de inspiração para o seu trabalho.

A Lira Nordestina, um misto de gráfica e ateliê, existe em Juazeiro do Norte desde 1922, quando ainda era a Tipografia São Francisco. Na década de 1940 já era uma das mais importantes produtoras de literatura de cordel no Brasil. O avô do mestre xilógrafo José Lourenço trabalhava na gráfica como cortador de papel e levava seu neto para ajudá-lo. José, à esquerda na foto, ao lado de Stephan, começou no ofício na década de 1970, cortando capas de folhetos, e foi evoluindo até se tornar um dos mais importantes mestres atuais da xilogravura.

“Antes de ir para Juazeiro, pesquisei muito a história da Lira Nordestina e de Mestre Noza. Estava ansioso para produzir com os artistas locais”, conta Stephan, mencionando o genial artesão da xilogravura nordestina que deu fama à Lira.
A visita de Stephan gerou, entre outros frutos maiores e menos tangíveis, a produção de um livro com vários de seus conhecidos ícones e uma grande xilogravura.

A aproximação deu-se por conta de um interessante projeto de intercâmbio batizado de “Ponte – São Paulo – Juazeiro do Norte”, um programa de encontro e trocas entre artistas e curadores de SãoPaulo e seus pares da cidade cearense. A curadoria foi de Baixo Ribeiro e Rosely Nakagawa do Eduqativo – Instituto Choque Cultural.
Felizmente, várias outras cidades também estão na mira dos criadores do projeto.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente