Assiste-se por esses dias ao trêfego debruçar da mídia sobre um dos mais longevos esquemas de assalto à máquina pública de que se tem notícia – o caso do superfaturamento em contratos do Metrô e dos trens de São Paulo, arquitetado por multinacionais que se organizaram em cartel para fraudar seguidas concorrências durante quase 20 anos. Os meandros das operações, desvendados em primeira mão pela ISTOÉ (e seus textos estão aí para quem quiser verificar), foram depois revisitados pelos demais veículos e recontados como descobertas surpreendentes, com direito a manchetes e a enganosa embalagem de “exclusivo”. Da revelação do conteúdo do depoimento de um ex-funcionário da Siemens – testemunha só depois considerada como peça-chave por um jornalão paulista – até os percentuais de 30% no achaque, passando pela citação, até então inédita, de que o esquema atravessou os governos dos tucanos Covas, Serra e Alckmin, e que tinha triangulação inclusive com empresas offshores uruguaias; a ISTOÉ foi mostrando passo a passo, e inicialmente com baixo interesse por parte dos demais, como se deu a montagem da maracutaia. Quando as capas de ISTOÉ vieram à tona provocaram uma forte reação e cobrança em cadeia nas redes sociais. E essa se fez sentida sobre certos setores da imprensa, levando à quebra do cordão de isolamento e do abafa montado sobre o assunto.

Por décadas, a índole cordata do povo brasileiro, misturada à escassez de canais de comunicação para expressar seu descontentamento, pode ter passado aos senhores do poder a falsa impressão de que eles detinham o controle da opinião pública. Da mesma maneira, representantes da mídia, talvez pela coincidência de objetivos com esses senhores ou preocupados com os efeitos de eventuais inquietações suscitadas entre os graúdos, passaram a considerar a informação uma espécie de condomínio fechado. Somente eles, luminares do certo e do errado, poderiam julgar o que é de interesse geral e escolher quando e como publicar. Na semana passada, um veículo de grande circulação teve de praticar contorcionismos verbais para explicar por que, mesmo depois das evidências, evitava falar das administrações do PSDB que estavam por trás das concorrências fraudadas. As redes sociais, que já haviam demonstrado sua força levando milhares de manifestantes às ruas, exigiam explicações. Mudaram o funcionamento da engrenagem que queria blindar tucanos de alta plumagem. Seguiu-se a demonstração de caradurismo geral. Inflamadas reportagens e editoriais tentavam assumir a paternidade da história, ou de parte dela. Por sua vez, autoridades diziam-se surpresas com as revelações. O atual governador paulista, Geraldo Alckmin, chegou a declarar que “se confirmado o cartel, o Estado é vítima”. Afronta o senso comum e seria demasiadamente ingênuo supor que um cartel se organizou sozinho, funcionou por quase duas décadas e que quem pagou não sabia ou não desconfiou de nada. A articulação se concretizou, e ganhou porte, graças a uma demanda que veio do próprio Estado e com a aquiescência de seus representantes. Alckmin, com tal postura, repetiu o velho hábito de seguidos governantes para mostrar que “não era com ele”. Algo bem parecido com o que fez tempos atrás o ex-presidente Lula, do PT, reagindo teatralmente ao ser confrontado com as provas do “mensalão”, cujo julgamento condenou vários de seus assessores mais próximos.

Dando continuidade às apurações e revelações, ISTOÉ mostra na reportagem de capa desta edição que governos tucanos foram oficialmente informados a respeito do esquema em mais de uma ocasião, como demonstram documentos, e que membros dessas gestões participaram ativamente ou foram beneficiados pelo conluio. Com a série de reportagens sobre “O escândalo do Metrô”, ISTOÉ acredita estar contribuindo firmemente para o desbaratamento da quadrilha e a punição dos culpados, colocando-se na trincheira daqueles que anseiam pela verdade. A informação factual vem fartamente documentada em suas páginas, como tem sido usual ao longo da cobertura. Mas ao contrário de parte da mídia, que se tem em alta conta, a Revista não se imagina detentora da informação absoluta. Expressa sim sua perplexidade com a omissão ou demora no reconhecimento das denúncias aqui relatadas. Sabe que alguns jornalistas – donos de jornais e seus empregados – experimentam às vezes uma estranha sensação de onipotência e são dados a ignorar, deliberadamente, alguns temas ou eventos. Esses ofendem qualquer conceito de jornalismo sério e responsável, em proveito de uma arrogância comodamente instalada entre aqueles que aqui mandaram durante os períodos de exceção. Para efeito de registro, vale dizer que, na nossa balança, pesa mais o papel de levar aos leitores, de maneira clara e abalizada, as informações que possam auxiliá-los na sua tomada de posição sobre as mais variadas questões que afetam seu dia a dia. 


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