Os ciclos da Lua inspiraram a humanidade a criar instrumentos práticos – a tábua das marés é uma delas – e deram origem a mitos e crenças, como a de que suas mudanças teriam o poder de interferir na saúde mental e na recuperação dos doentes. Se até agora esse efeito não era levado a sério, novas pesquisas realizadas por instituições respeitadas nos Estados Unidos e Suíça começam a evidenciar que pode haver aspectos verdadeiros em algumas dessas afirmações.

chamada.jpg
RIGOR
O cirurgião Lisboa acredita que é necessário haver mais
pesquisas sérias sobre o efeito dos ciclos lunares na saúde

Um dos estudos mais recentes analisou o histórico de 210 pacientes dos hospitais Miriam e Rhode Island, em Providence (EUA), submetidos a uma cirurgia conhecida por dissecção da artéria aorta (irriga o coração). “Como cirurgião cardíaco, percebi resultados melhores em procedimentos feitos no período da lua cheia. Decidi então identificar esse fenômeno de maneira científica e estatística”, disse à ISTOÉ o médico Jeffrey Shuhaiber, que liderou a pesquisa e o grupo de sete especialistas que a conduziu. “Nossa principal conclusão é a de que, na lua cheia, as chances de morte por causa da intervenção são menores e o tempo de internação após a operação, mais curto”, garante Shuhaiber.

Esse trabalho foi publicado na última edição da revista “Interactive Cardiovascular and Thoracic Surgery”. Em um estudo anterior, o cirurgião havia constatado menor mortalidade nas cirurgias de revascularização do miocárdio feitas no verão em comparação àquelas ocorridas no inverno. Falta ainda elucidar os mecanismos que propiciam esse tipo de desfecho. “Não temos uma boa explicação para esses fenômenos, mas sabemos que muitos processos biológicos são dependentes de forças gravitacionais que podem ser diferentes sob a lua cheia”, diz o médico.

LUA-02-IE-2282.jpg
EVOLUÇÃO
Para Mello, da Unifesp, o sono diferente na
lua cheia pode ser herança ancestral

Nos círculos científicos, discute-se se a nova pesquisa oferece dados reais ou se é uma combinação de coincidências e ilusões estatísticas. “Quando se resolve brincar com matemática, pode-se achar de tudo. O fato é que dissecção de aorta tem alta mortalidade e o número de casos avaliados foi pequeno para se chegar a uma conclusão”, critica o cardiologista Luiz Antonio Machado Cesar, diretor da Unidade Clínica de Coronariopatias Crônicas do Instituto do Coração, de São Paulo. O cirurgião cardiovascular Luiz Augusto Lisboa, diretor da regional paulista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, acha que a ciência precisa se aprofundar no tema. “Se é de amplo conhecimento que a lua interfere nas marés e que 60% do corpo humano é composto de água, por que a lua não pode ter influência sobre nós? As civilizações antigas acreditavam nisso e devemos investigar se existe ou não essa correlação.”

Há 15 dias, outro estudo, publicado pela revista “Current Biology”, apontou influência lunar sobre o sono. Por três anos, pesquisadores do Centro de Cronobiologia da Universidade de Basel, do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne e do Centro de Medicina do Sono da Hirsladen Clinic, todos na Suíça, observaram as reações de 33 voluntários que dormiram no ambiente controlado do laboratório em diferentes fases lunares. “Para nossa surpresa, as pessoas que dormiram no período de lua cheia tiveram pior qualidade do sono”, disse à ISTOÉ o pesquisador Christian Cajochen, da Universidade de Basel.

IEpag78e79_Lua-2.jpg

Exames de eletroencefalograma feitos durante o sono dos voluntários indicaram uma redução de 30% nas fases de sono profundo (o sono REM, quando as memórias são fixadas). Além disso, o tempo total de sono foi 20 minutos menor e as pessoas levaram, em média, cinco minutos a mais para adormecer. “Interpretamos nossas descobertas como efeitos de um ritmo lunar que ainda pode afetar os seres humanos”, diz Cajochen. Uma das hipóteses do grupo suíço é que o sono mais leve e curto sob a lua cheia seja uma herança evolutiva. Sua claridade deixaria o homem primitivo mais exposto aos perigos da noite, como ataques de animais. “É uma possibilidade que pode fazer algum sentido. Por preservação da espécie, os golfinhos dormem com um hemisfério cerebral enquanto o outro está em vigília”, diz Marco Túlio de Mello, diretor do Centro de Estudos de Psicobiologia e Exercício da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Mello considera esse estudo importante. “É o primeiro trabalho a demonstrar, ainda que de forma ambígua, a influência circalunar. Mais investigações são necessárias para confirmar esses dados.” Continua a ser estudada, entre outros aspectos, a influência da Lua na performance dos atletas, na ocorrência de infartos e crises renais.