O ex-jogador afirma que o governo só está preocupado com a organização da Copa e da Olimpíada e, mesmo assim, o País deve ter um fraco desempenho em medalhas na Rio 2016

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PLANOS
Raí está escrevendo seu segundo livro e quer voltar a estudar

Aos 48 anos, o ex-jogador de futebol Raí, camisa 10 da Seleção Brasileira na Copa de 1994, está cada vez mais envolvido com seus projetos de ação social, a Fundação Gol de Letra, criada em 1998 em parceria com o também ex-atleta Leonardo, e o mais recente, Atletas pelo Brasil, entidade única no mundo que reúne 61 esportistas do quilate de Lars Grael, Ana Moser e Magic Paula, campeões de diferentes modalidades, em atividade ou não, que se uniram há sete anos com a intenção de propor – usando a força de seus nomes e o peso de suas experiências pessoais – mudanças estruturais na política de esporte do Brasil. “Dispenso mais de 50% do meu tempo para essas duas entidades”, confessa Raí, muito mais seguro e descontraído do que nos tempos de jogador. Há menos de um mês, na esteira das manifestações que ocorreram no País, o Atletas pelo Brasil lançou um manifesto, reivindicando, entre outros pontos, mudanças na legislação que trata dos mandatos dos dirigentes esportivos. A seguir, o ex-jogador fala sobre suas expectativas, no momento em que todos os olhos se voltam para o esporte, às vésperas da Copa do Mundo e da Olimpíada de 2016.

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"O Marin representa uma dinastia que trouxe
vícios, falta de transparência, que defende
interesses outros acima do esporte”

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“A perda do Sócrates me cutucou. Resolvi deixar
a irreverência dele me provocar mais, que não é o
natural em mim, mas é o legado que ele deixou”

Foto: PAULO GIANDALIA/AE
Foto: Flavio Florido/UOL / Folhapress

ISTOÉ

Por que os srs., do Atletas pelo Brasil, decidiram divulgar o manifesto agora?

Raí

Porque a sociedade toda está se mobilizando, vide as manifestações de junho. O momento também é oportuno porque o Brasil vai sediar os maiores eventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo e a Olimpíada. São eventos de esportes e em nenhum momento o governo falou o que vamos fazer para transformar essa atividade no dia a dia dos brasileiros. Nossa questão é: o Brasil vai sediar grandes eventos, mas e o esporte no País? Qual é a situação dele? A gente sabe que está muito longe do ideal. E o que está sendo planejado para que isso mude? Muito pouco. A gente construiu o manifesto para tentar fazer dessa discussão uma prioridade.

ISTOÉ

O que os srs. reivindicam?

Raí

O manifesto toca em algumas questões que a gente julga primordiais, como mexer na legislação para limitar o mandato dos dirigentes esportivos. Para isso, estamos fazendo lobby mesmo, indo ao Congresso. Também reivindicamos a criação de uma comissão interministerial com participação da sociedade, com metas, estratégias, métricas de avaliação e resultados claros. O terceiro ponto seria a apuração referente às denúncias de violação de direitos humanos nesses grandes eventos, além da exigência de total transparência.

ISTOÉ

O sr. acha que ainda dá tempo para mudanças estruturais, faltando um ano para a Copa e três para os Jogos?

Raí

Com relação às medalhas, não dá tempo. O Brasil deve subir no ranking porque está havendo muito investimento em atletas com potencial, que já estavam formados, mas esse número será longe do ideal. Mas o mais importante não são as medalhas e sim o legado que esses eventos deixam, que vai muito além deles. Se o governo começar algo agora, implantar uma política esportiva, terá resultados crescentes e permanentes. A gente não vai ter grandes resultados até a Olimpíada, mas se tiver uma discussão mais ampla, teremos muitos avanços.

ISTOÉ

Assim que terminou a Olimpíada de 2010, o Ministério dos Esportes lançou uma série de medidas de curto prazo, como o Bolsa Medalha. Como o sr. as avalia?

Raí

Esse imediatismo, que não existe só nos esportes, é um grande problema do Brasil. Quando você faz coisas de curto prazo, acaba investindo muito mais, e para poucos, porque não existe essa cultura de esporte desenvolvida no País. A partir do momento em que as pessoas tiverem consciência de que esporte é um direito, poderão cobrar mais.

ISTOÉ

Londres, que sediou os Jogos em 2012, conseguiu deixar esse legado?

Raí

Sem dúvida. Desde 2005 eles têm vários programas de planejamento de médio e longo prazo para produzir impacto na vida das pessoas e se tornaram um país olímpico no sentido mais nobre da palavra. Como resultado, os alunos têm hoje duas horas a mais de esportes na escola por semana. Isso trouxe melhoria no rendimento de outras matérias, como matemática e língua inglesa. São comprovações de que o esporte pode ter um impacto muito mais amplo do que ganhar medalhas.

ISTOÉ

É verdade que seu grupo tenta uma audiência, mas ainda não foi recebido pela presidenta Dilma?

Raí

Sim. Conversamos com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais), chegamos ali perto do gabinete da Presidência e ela garantiu que iria falar com ela. Porque a gente acha que é muito importante o governo federal assumir isso. Nós temos propostas concretas, com resultados, temos pesquisas feitas em conjunto com instituições sérias, e estamos dispostos a ajudar. E aí você pega Lars Grael, Ana Moser, Flavio Canto, Kaká, Magic Paula. Estamos oferecendo voluntariamente nossa experiência a serviço da construção de um modelo melhor. É evidente que a gente sabe que a presidenta da República tem muitas prioridades, mas é um grupo representativo que está se juntando e gostaria de ser ouvido.

ISTOÉ

Como os srs. avaliam a atuação do ministro Aldo Rebelo? Ele já os recebeu?

Raí

O atual ministro do Esporte assumiu há menos de dois anos com uma missão clara, que é a de fazer os eventos acontecerem. Então você vê o ministro viajando, inspecionando todas as obras. E a gente acha que não é incompatível fazer os eventos acontecerem, mas a função do Ministério do Esporte é também construir uma política esportiva e envolver as outras pastas. E, atualmente, o Ministério do Esporte não tem uma política. Logo que ele assumiu, falamos com ele. Houve uma ocasião em que dez atletas, campeões olímpicos e mundiais, marcaram uma audiência com ele para falar de uma emenda a uma medida provisória que cuidava dos dirigentes esportivos. Eu estava nesse grupo e, nesse dia, ele não nos recebeu. Nós havíamos feito uma mobilização grande para ir para lá.

ISTOÉ

Por que o sr. nunca exerceu um cargo público?

Raí

Por opção. A minha forma de fazer política é essa, vou ser mais eficiente assim. Valorizo bastante quem está lá, no Executivo ou no Legislativo, porque há muitos entraves, tem que ter um perfil que se adapte a isso, que saiba como trabalhar para obter resultados. Sempre quando vejo um santinho penso: nunca vou fazer isso na minha vida! Sou mais útil e mais de bem comigo mesmo com essa forma de atuação, que também é um grande desafio.

ISTOÉ

E o que o sr. acha dessa grita, durante as manifestações, contra a realização da Copa no Brasil?

Raí

A população fala isso porque falta transparência. Você tem os motivos históricos do País: educação ruim, saúde ruim. Você vê o País crescendo economicamente e os serviços com uma qualidade baixíssima. E, ao mesmo tempo, investimentos que trazem muitos benefícios para o setor privado sendo feitos, e com muito dinheiro público. Acho que essa equação botou a Copa como alvo. Existe superfaturamento, apropriação indevida? Vamos ver. Enquanto não houver transparência, que não há porque a estrutura é fechada, haverá reclamações.

ISTOÉ

Como o sr. avalia a atuação de seu ex-colega de gramados, o agora deputado federal Romário (PSB-RJ)?

Raí

Ele está sendo muito mais atuante do que muita gente esperava. Está sendo corajoso, se colocando. A gente está trabalhando com a equipe dele e de outros esportistas que estão no Congresso. Eu não quero estar no Legislativo, mas quem se arrisca, a gente tem de fazer de tudo para ser nosso aliado.

ISTOÉ

Ele faz severas críticas ao atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin.

Raí

O Marin representa a continuidade, uma dinastia que vem desde muito tempo na CBF e que trouxe vícios, falta de transparência, defende interesses outros acima do esporte. Acho que tem de ter uma revisão disso, uma transformação.
 

ISTOÉ

O sr. lançou um livro infantil, “Turma do Infinito” (Cosac Naify). Pretende escrever mais?

Raí

Não pretendo ser escritor, não tenho essa pretensão, mas já estou terminando a sequência da “Turma do Infinito”. Sempre gostei de escrever coisas curtas e as divido com pessoas próximas. Fiquei muito feliz porque três escolas já adotaram meu livro como conteúdo.
 

ISTOÉ

Um dos temas centrais do seu livro é a busca de um lugar na vida, um sentido. Já encontrou o seu?

Raí

A vida é uma eterna busca de ter uma razão para vivê-la. Minha inquietude tem a ver com isso. Me viciei nisso. Esporte, ação social, ação política, escrever livro, gosto de estar ampliando. Quando deixei os gramados, a Gol de Letra era a razão para eu acordar. Agora quero voltar a estudar. Estou sempre buscando. Porque a vida é esquisita, né? Ela é eterna, pelo menos no nosso imaginário, a gente precisa acreditar nisso. Mas, ao mesmo tempo, ela é esquisita, começa, acaba ali… Por que então? Você tem de buscar uma razão para viver. E nunca é a mesma coisa.
 

ISTOÉ

E quando o sr. fala em voltar a estudar, já sabe o quê?

Raí

Estudei um pouco de filosofia, gosto de tudo o que é relacionado a humanas. Já pensei em economia. Ainda não decidi, mas tem temas, como políticas públicas de esportes e gestão pública, que me interessam. Se você me perguntar, o que estudou na vida que mais te deu satisfação e se sentiu crescendo, foi filosofia.

ISTOÉ

Como lida com a ausência de seu irmão Sócrates passados mais de um ano de sua morte?

Raí

A perda do Sócrates me cutucou um pouco. Tudo o que ele deixou de mensagem, de atitude. Resolvi deixar esse lado, a irreverência do Sócrates, me provocar mais, que não é o natural em mim, mas é o legado que ele deixou para os próximos e para muita gente. Vira e mexe passa na minha cabeça: você pode provocar mais, ser provocador. A morte dele foi difícil, mas foi uma escolha de vida, de estilo de vida, que não o impedia de dar suas opiniões, de influenciar pessoas.

ISTOÉ

Seu irmão morreu em decorrência do abuso de álcool. Esse tema ainda é tabu no futebol?

Raí

Drogas é minoria. Já álcool é como na sociedade. Eu também sempre bebi, mas da minha maneira, nos meus momentos, nada fora do que existe na sociedade. Com o esportista, o abuso de álcool se transforma em fraqueza. Tem menos casos, mas marca mais porque os esportistas são símbolos de saúde. Mas não podemos esquecer que são humanos.