Trayvon Martin acabara de completar 17 anos quando o tiro disparado por George Zimmerman, 29 anos, vigilante comunitário do condomínio de Sanford, na Flórida, atingiu seu peito na noite chuvosa de 26 de fevereiro de 2012. Martin vestia um moletom com capuz e voltava para a casa de seu pai na vizinhança, levando uma sacola com doces e uma lata de chá gelado. Zimmerman, branco de origem latina, suspeitou do jovem negro e começou a segui-lo dentro de seu carro. O vigilante ligou para a polícia e, embora tivesse sido orientado a não sair de seu veículo, abordou o rapaz. Falando ao telefone com uma amiga, Martin disse para ela que estava sendo seguido por um “pervertido” e, ao contrário do que ela lhe recomendou (“corra!”), desafiou Zimmerman. Os dois se atracaram. A história poderia ter acabado apenas como uma noite amarga e mal explicada, mas o vigia tinha uma arma e a disparou, matando Martin na hora.

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FÚRIA
Policiais de Los Angeles reprimem manifestantes (acima) que protestavam
contra o assassinato do jovem Trayvon Martin (abaixo)

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No sábado 13, Zimmerman foi absolvido – por um júri composto por seis mulheres brancas – das acusações de homicídio e uma onda de indignação tomou conta dos Estados Unidos. A sombra dos velhos conflitos raciais estava de volta. “Um júri formado por negros teria um entendimento diferente da situação, porque sabemos no dia a dia como os brancos reagem ao medo”, disse à ISTOÉ Howard Pinderhughes, professor do departamento de ciências sociais e comportamentais da Universidade da Califórnia e autor do livro “Race in the Hood: Conflict and Violence Among Urban Youth” (“Raça no capuz: conflito e violência entre a juventude urbana”, em tradução livre). “Quando pego um elevador na universidade com um branco, eu vejo o medo, vejo ele se afastando e segurando sua bolsa”, afirmou o professor, que é negro. Ele contou que os casacos com capuz, como o que Martin usava na noite em que foi morto, chamados de “hoodies” no país, se tornaram símbolos das “crianças nas ruas de quem as pessoas têm medo”. Pinderhughes disse não estar surpreso com a decisão do júri, mas com raiva. E é esse sentimento que tem alimentado os protestos ao redor do país.

Com cartazes que diziam “Unidos contra o racismo”, “Todos somos Trayvon” e “Meu filho é o próximo?”, manifestantes pediram justiça em diversas cidades, como São Francisco, Atlanta, Chicago e Washington. Em Los Angeles, onde, em 1992, uma multidão enfurecida com a absolvição de quatro policiais que mataram um motorista negro tomou as ruas, 14 pessoas foram presas após um protesto contra o veredicto de Zimmerman. Uma petição, apoiada pelo cantor Stevie Wonder, foi criada na internet para boicotar o turismo no Estado da Flórida. Em Nova York, o ato reuniu centenas de pessoas na região turística de Times Square. Na cidade, segundo estimativas oficiais, dos 533.042 cidadãos abordados pela polícia por serem considerados suspeitos no ano passado, 90% eram negros ou latinos.

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COMOÇÃO
Obama diz que "se tivesse um filho ele se pareceria com Trayvon"

A defesa do vigia alegou que Zimmerman agiu em legítima defesa, porque Martin o havia atacado e batido sua cabeça contra a calçada. O relatório da polícia afirma que Zimmerman estava sangrando no nariz e na nuca quando os oficiais chegaram. Numa sessão transmitida ao vivo pela televisão e pela internet, o júri popular considerou “justificável” a reação do acusado para salvar sua própria vida e que ele não agiu fora da lei. Na Flórida, desde 2005, há uma regra que permite o uso da força se a pessoa for atacada ou se sentir ameaçada de morte. Os jurados concluíram que Zimmerman, que já havia sido acusado de violência doméstica por uma ex-namorada, assédio sexual e agressão, não foi movido por racismo. Menos convencido disso, o Departamento de Justiça, chefiado por Eric Holder, anunciou que daria continuidade às investigações, enquanto mais de um milhão de pessoas apoiaram uma petição para que o caso chegasse aos tribunais federais.

A comunidade negra é o maior bloco eleitoral do presidente Barack Obama, em termos percentuais. Em 2008, 96% dos negros votaram nele e, em 2012, o apoio foi de 93%. “Mas nós somos os que menos recebem retorno”, disse à ISTOÉ o consultor político Raynard Jackson. “Obama gasta mais tempo falando dos direitos dos homossexuais, da anistia a imigrantes ilegais, e raramente menciona os negros.” Para Jackson, o presidente poderia aproveitar seu cargo para facilitar ao grupo o acesso ao crédito e ao capital e receber empresários negros na Casa Branca. O abismo interracial ainda é enorme. Atualmente, o desemprego entre jovens negros (de 16 a 19 anos de idade) é de 43,6%, enquanto o de jovens brancos é de 20,4%. Além disso, de acordo com o Violence Policy Center, de Washington, a taxa de homicídio de negros é seis vezes maior que a dos brancos nos EUA. A ONG Center for American Progress indica que, apesar de os negros corresponderem a 30% da população americana, eles são 60% da população carcerária. Quando condenados, os negros tendem a receber sentenças mais longas que os brancos pelos mesmos crimes. O relatório da ONG sobre o sistema criminal americano, de março de 2012, também afirma que os negros estão duas vezes mais propensos a serem presos durante uma blitz e quatro vezes mais propensos a experimentarem o uso da força em conflitos com a polícia.

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Logo após o assassinato de Martin em 2012, Obama declarou que “se tivesse um filho, ele se pareceria com Trayvon”. Mas, na semana passada, mais do que evocar a questão racial, ele pediu respeito à decisão do júri e tentou conduzir o debate para a restrição à comercialização e ao porte de armas, uma das bandeiras de seu segundo mandato. O pronunciamento soaria igualmente frio na boca de um presidente branco.

fotos: Jason Redmond/REUTERS; Rex Features; Brendan SMIALOWSKI/AFP