Assista ao vídeo em que o compositor declama o poema “Receita de Mulher”:

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Pai da bossa nova, diplomata, amante de jazz, criador do afrossamba, reinventor da música brasileira. O centenário do nascimento de Vinicius de Moraes, que já está sendo comemorado mas que oficialmente acontece em outubro, traz de volta à cena muitos personagens vividos pelo poeta responsável pela imagem mundial de um Brasil eternamente embalado pelas ondas do mar e pela cadência do samba. E se todo grande homem esconde uma grande mulher, Vinicius nunca escondeu as suas: amantes, filhas e musas. Mulheres que ainda hoje mantêm viva a sua poesia.

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ACERVO
A ex-mulher Gilda Mattoso guarda raridades como
uma carta enviada a Vinicius por Charles Chaplin

Vinicius se casou nove vezes. Dessas relações teve cinco filhos: Suzana, Pedro, Georgiana, Luciana e Maria, que criaram uma empresa, a VM Cultural, para administrar os direitos autorais do pai. Para facilitar a difusão da sua obra – que este ano terá livros inéditos, caixa completa de canções e até encenação na Broadway –, basta a assinatura de apenas duas das herdeiras, Georgiana e Maria de Moraes. Elas acabam de voltar da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), onde lançaram “Jazz & Co.” (Companhia da Letras), uma compilação de textos escritos por ele sob o impacto da música negra de Los Angeles nos anos 1940.

“Crescemos em casas separadas e com mães diferentes. Como toda família também temos nossos desentendimentos. Mas somos muito conscientes da nossa responsabilidade na divulgação da obra do Vinicius”, afirma Maria. Filha mais nova do escritor, ela conheceu o pai já engatado na relação seguinte, a sétima, de maneira que esse trânsito do poetinha entre matrimônios não se configurou um trauma na vida da caçula.  Lembra sorrindo da primeira vez que esteve com o pai: “Ele me conquistou em segundos, era mesmo um sedutor.”

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AFINADAS
As filhas Georgiana e Maria integram a
VM Cultural, que negocia a obra do artista

A experiência da primogênita foi menos suave. A cineasta Suzana de Moraes, produtora do documentário de 2005 dirigido por Miguel Faria Jr. (hoje disponível na íntegra no YouTube), conta no filme que chegou antes da hora para um encontro com Vinicius e deu de cara com a nova mulher (Lila Bôscoli), de quem desconhecia a existência. A madrasta, surpresa, a atendeu brincando com Georgiana e grávida de Luciana, irmãs e futuras sócias. “Fiquei puta”, diz ela.

Suzana não só fez as pazes com a rotatividade do coração do pai, como foi dela a iniciativa de reunir os herdeiros para cuidar do acervo familiar. Segundo os parceiros do compositor, sem essa mobilização o centenário minguaria. “Elas estão mantendo Vinicius cada vez mais vivo e atuante para as novas gerações”, diz Toquinho, principal parceiro na etapa final da carreira de Vinicius, que, a partir de setembro, deve apresentar shows no Rio de Janeiro e em São Paulo com o repertório produzido em conjunto com o compositor carioca.

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Desapegado a ponto de ter muitos originais perdidos entre as cidades, casas e casamentos de seu caminho, o poeta deve também a ex-companheiras a organização de seu legado. Pertence à jornalista Gilda Mattoso boa parte das imagens (de fotos pessoais à arte original do cartaz para a primeira encenação de “Orfeu da Conceição”, em 1956) expostas na mostra que abriu este mês o Ano Vinicius, no Instituto Cultural Cravo Albin, no Rio de Janeiro. Gilda viveu com o poeta os dois últimos anos de sua vida e cuidou de preciosidades como um poema escrito por Pablo Neruda, uma carta de próprio punho de Charles Chaplin para o companheiro e o último samba que o poeta assinou sozinho antes de começar a parceria com Toquinho. “Ele compôs ‘Queira’ quando vivíamos em Paris, em 1978”, lembra Gilda, que nunca se valeu de direito algum em relação à obra que viu terminar na banheira de sua casa na Gávea, onde o compositor foi encontrado sem vida, em julho de 1980. “Fico tentando imaginar Vinicius no mundo de hoje e concordo com o que o Chico [Buarque] diz no documentário de Miguel Faria: não tem lugar para um sujeito tão amoroso e afetivo num mundo pragmático como o nosso.”

Fotos: Cris Isidoro