05/07/2013 - 20:40
TECNOLOGIA
Embora seja adepto do e-mail, o escritor diz que marcharia contra o telefone celular
As incertezas sobre o cenário político pós–manifestações populares não chegam a tirar o sono do escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo, mas o têm angustiado. “A desmoralização da política e dos políticos deve preocupar a todos, porque a falência da política é a falência da democracia”, afirma. Um dos maiores cronistas do Brasil e criador de notáveis personagens, como Dora Avante e o Analista de Bagé, ele mantém há cinco décadas um olhar crítico sobre o País e, aos 76 anos, seu senso de humor permanece intacto. Verissimo afirma que, se fosse às passeatas, não deixaria de reivindicar “carona da FAB para todo mundo” e que carregaria um cartaz com a inscrição “Pra que lado fica a Bastilha?” Depois de ter passado 24 dias internado num hospital com infecção generalizada, no fim do ano passado, e outros três com dores no peito, em março, Verissimo divide com Lucia, sua mulher há mais de 30 anos, a rotina de escrever semanalmente para três jornais. Em outubro, deve chegar às livrarias “Os Últimos Quartetos de Beethoven”, pela editora Objetiva, com dez contos, alguns inéditos. Na quinta-feira 4, o escritor conversou por e–mail com a ISTOÉ.
"Se eu fosse a uma passeata, levaria o seguinte
cartaz: ‘Pra que lado fica a Bastilha?’”
“Infelizmente aquele ímpeto anticorrupção do início
do governo (de Dilma Rousseff) não se sustentou"
Fotos: Ernesto Carriço/Ag. O Dia; João Castellano/ag. istoé; Marcos Alves/Ag. O Globo
O que o sr. pensa sobre a onda de manifestações que se espalhou pelo Brasil?
No fundo, o que se vê nas ruas é uma crítica, nem sempre consciente, ao capitalismo brasileiro. Estão pedindo o fim do lucro desmedido com serviços públicos como o transporte, o fim do poder corruptor do dinheiro, mais saúde e educação subsidiadas pelo Estado. Eu nunca tinha visto tantos socialistas juntos. Será curioso ver como essa massa vai votar.
O que ficará de junho de 2013 para a história?
Ainda não se sabe se foi só um espasmo ou se o movimento terá consequências permanentes. Muitas das reivindicações são irrealistas. Aquele cartaz que pedia a volta da tomada para dois pinos não era sério, mas dava uma boa ideia disso.
Esse tipo de movimento, que nasce da internet sem uma cara, um líder, é positivo?
Essas manifestações espontâneas são positivas na medida em que, afinal, estão pedindo tudo que a gente quer. São perigosas porque substituem a política e podem ser manejadas, inclusive pelos nostálgicos da ditadura.
Durante muito tempo, a ditadura militar foi o inimigo a ser combatido. Quem é o inimigo dos jovens de agora?
Pois é, o inimigo é um sistema que não funciona, o que é muito vago. Se você quiser ser específico, pode dizer que a rua está fazendo a crítica ao capitalismo brasileiro que o PT fazia quando era oposição, antes de se deixar cooptar. Mas isso é um diagnóstico ideológico e o movimento parece ser contra tudo. O inimigo é tudo, inclusive a ideologia.
A colocação de uma agenda conservadora (como o fim dos partidos, a redução da maioridade penal e a volta da ditadura militar) por parte dos manifestantes é algo que o preocupa? O que explica esse tipo de “reivindicação”?
A desmoralização da política e dos políticos deve preocupar a todos, porque a falência da política é a falência da democracia. A conclusão de que o que não está funcionando é a própria democracia é perigosa. O que falta é mais democracia. Mais liberdade, igualdade e fraternidade, o trio maravilha.
Os protestos no Brasil se assemelham a algo que o sr. já viu?
A analogia óbvia é com o Maio de 68, na França, que também era contra um tudo indefinido. Tem gente que diz que o que houve em Paris, naquela primavera, foi só uma queima de hormônios. Já o Cohn–Bendit disse que 68 foi o preâmbulo de 81, quando a esquerda chegou ao poder na França. Resta ver qual será o 81 do nosso 68.
Se o sr. pudesse fazer cinco cartazes para levar a uma passeata, quais pautas escolheria? O que estaria escrito neles?
“Vergonha!”, “Pra que lado fica a Bastilha?”, “Carona da FAB para todo mundo”, “E o mensalão do PSDB?” e “Pela volta da tomada pra dois pinos”.
O sr. consegue imaginar algum de seus personagens nessas manifestações?
A Dora Avante e seu grupo de pressão, as Socialaites Socialistas, marchariam contra a falsificação de má qualidade das bolsas Vuitton no Brasil.
Dada a reação do Congresso aos gritos da rua, o sr. acredita que políticos assustados produzam melhor?
O diabo é que as manifestações acabam um dia e o medo também. Mas não se deve supervalorizar o poder persuasório de manifestações. Amanhã um milhão de evangélicos marcham contra gays ou contra o diabo e eu espero que a consequência política disso seja zero.
Como o sr. avalia o governo de Dilma Rousseff? Gosta dela?
Infelizmente aquele ímpeto anticorrupção do início do seu governo não se sustentou. Mas, falando do PT no poder em geral, qualquer governo que consegue distribuir renda e diminuir a pobreza tem no mínimo a minha simpatia.
Como é sua relação com a internet e a tecnologia?
Uso o computador como uma máquina de escrever com memória, uso bastante o Google, que fornece erudição instantânea, e não poderia mais viver sem o e-mail. Mas não frequento muito a internet. E participaria de qualquer passeata contra o telefone celular.
Dos textos atribuídos ao sr. que circulam na internet, há algum que o incomode mais ou que tenha captado sua atenção tanto positiva quanto negativamente?
Nenhum incomoda porque não há o que fazer para impedi-los. Alguns são bons, e neste caso eu aceito os elogios, inclusive para não desiludir as pessoas. Teve um, chamado “Quase”, que correu o mundo e foi até publicado num livro em francês. Uma sr.a me disse que não gostava do que eu escrevia, até ler o “Quase”. Agradeci, emocionado. Outro texto, sobre uma diarreia no aeroporto, também fez muito sucesso.
Depois da atuação do Brasil na Copa das Confederações, o sr. está confiante na Seleção Brasileira para o Mundial do ano que vem? O sr. gosta do Felipão?
O Felipão não é um tático, é um motivador, e o melhor que se pode dizer desta seleção é que está bem motivada, com quatro ou cinco talentos que se destacam. Acho que não faremos feio.
E o que pensa do Brasil enquanto sede do evento?
Quem gosta de futebol, como eu, fica numa situação difícil. Claro que o Brasil não podia gastar o que está gastando para sediar a Copa, mas, ao mesmo tempo, a perspectiva de ter bom futebol internacional em casa é animadora. O que fazer com os estádios que ficarão ociosos depois da Copa? Não tenho a menor ideia. Podem ficar como monumentos à insânia.
O sr. ainda vê televisão? Há algo que lhe agrade na tevê aberta?
Vejo filmes, futebol e o “Jornal Nacional”.
E na internet? O sr. costuma ver vídeos no YouTube?
A melhor novidade da tevê brasileira está na internet: é o “Porta dos Fundos”. Não vejo YouTube, não tenho Facebook e todos os Twitters com meu nome são falsos.
Quais autores o sr. costuma acompanhar?
Dos brasileiros, o Milton Hatoum; dos estrangeiros, o John le Carré e o Roberto Calasso, além da releitura de favoritos mortos.
Além das crônicas para os jornais, o sr. está trabalhando em algum livro novo?
Deve sair em outubro, pela Objetiva, um livro de contos, alguns inéditos, outros já publicados na imprensa. São dez contos, entre longos e curtos, e o título é “Os Últimos Quartetos de Beethoven”.
Que tipo de situação ainda o inspira?
Para quem escreve com regularidade, qualquer assunto é assunto. Eu sempre digo que a minha musa inspiradora é o prazo de entrega. E a crônica, sendo um gênero indefinido, comporta essa variedade de assuntos e de estilos.
Já se acostumou ao novo acordo ortográfico ou comete alguns erros comuns, como acentuar ideia ou colocar trema?
Meu computador cuida disso para mim. Ele acompanhou a reforma ortográfica, sabe tudo a respeito e não me deixa errar. Eu só não entendi ainda por que “três” continua de chapeuzinho.
O livro “Cinquenta Tons de Cinza” foi o maior fenômeno literário do ano passado. O que o sr. pensa dessa literatura feminina quase pornográfica?
Se entendi bem, o sexo nesse livro é sadomasoquista. Como diria o Freud, o que essas mulheres estão querendo? Não pretendo descobrir.
Fora as inúmeras homenagens que recebe, o sr. tem vida social noturna?
Um programa perfeito é ir ao cinema, sessão das seis, depois ir jantar num bom restaurante. Nada de muito excitante.
O que a velhice lhe trouxe de positivo e de negativo?
De negativo, a proximidade da morte, a consciência da nossa finitude e do absurdo da existência. De positivo, o lugar reservado para idosos nos estacionamentos.
Sua timidez ainda o coloca em situações embaraçosas?
Já me resignei à timidez e sei que agora não vou mudar, mas melhorei muito com a idade. Já faço até palestra. Mas com o Isordil à mão.
Sobre o período em que o sr. esteve internado num hospital no ano passado, o que ficou daquele susto?
Tive alucinações durante o período em que fiquei na UTI, o que só me levou a admirar ainda mais o funcionamento e o poder do nosso cérebro, uma coisa ao mesmo tempo fascinante e assustadora.
Atualmente, qual é sua maior preocupação? Há algo que lhe tire o sono?
Essa coisa meio incerta no ar, essa indefinição sobre o que está por trás da revolta e o rumo que ela vai tomar… Não vou dizer que me tira o sono, tenho dormido bem. A preocupação começa ao acordar.