Se os democratas vencerem as próximas eleições americanas e se, no futuro, o presidente eleito for afastado definitivamente do cargo por qualquer motivo, os Estados Unidos vão ser governados por um judeu. Na segunda-feira 7, o candidato democrata Al Gore telefonou para Joseph Lieberman, senador do partido pelo Estado de Connecticut, e o convidou para ser seu parceiro de chapa. Esta seria apenas uma escolha convencional – o senador é considerado homem íntegro, moderado e confiável – não fosse pelo fato de Lieberman, 58 anos, ser israelita. E ortodoxo, daqueles que mantêm o lar sob os preceitos kosher e respeitam o Shabat (Lieberman não trabalha do anoitecer de sexta-feira ao anoitecer de sábado, mas prometeu fazer exceções caso seja eleito). Até aquele momento, Gore via seus números nas pesquisas de preferências atingirem níveis perigosos, com o rival republicano George W. Bush alcançando 54% das intenções de voto, contra seus parcos 40%. Os republicanos acabavam de sair energizados de sua convenção terminada na semana anterior na Filadélfia, e era preciso uma medida drástica para reverter esta onda. Já na quarta-feira 9, dois dias depois do anúncio da candidatura Lieberman, uma pesquisa ABC News/Gallup indicava que Gore pulara para 43% contra 45% de Bush.

O contra-ataque veio na forma de uma bomba política de múltiplos efeitos. O primeiro e mais importante envolve tradição religiosa e conflitos étnicos num país que ainda está longe de resolver seus problemas raciais. Desde a eleição de John F. Kennedy – o primeiro e único católico a concorrer à Casa Branca, há 40 anos –, o país não confrontava questões semelhantes. O segundo efeito desta escolha foi sentido no meio do próprio Partido Democrata. Lieberman é da ala moderada, mas tem posições mais conservadoras do que a maioria de seus colegas. Ele abriu a dissidência no episódio Monica Lewinsky. Lieberman classificou o affair do presidente Bill Clinton com a estagiária da Casa Branca como “irresponsável e imoral”. Passou então à linha de frente dos críticos do presidente, apesar de ter votado contra seu impeachment.

Essa tomada de posição provocou a ira dos democratas, que já rangiam os dentes em virtude de outras posições conservadoras de Lieberman. “Ele poderia ser um parceiro ideal para George W. Bush”, diz ressentido William Roberts, consultor político da National Democratic Convention, a organização nacional democrata. “Ele vota por propostas republicanas na área da educação, dando opção aos pais de receber dinheiro para colocar seus filhos em escolas particulares, em detrimento dos fundos para educação pública. Também é a favor da diminuição de impostos sobre lucros com investimentos. Isso está no coração da plataforma republicana”, diz Roberts. De fato, o senador já se mostrou como um dos mais dispostos ao trabalho bipartidário, independente do que desejam os democratas. Com isso ganhou o respeito dos adversários. Mas o petardo disparado por Gore foi sentido imediatamente pelos republicanos.

Califórnia e Nova York – Os EUA mostraram sua fisionomia opinando sobre Lieberman. A maioria aplaudiu, mas muitos dispararam verborragia anti-semita. E algumas dessas ofensas partiam dos próprios currais eleitorais democratas. “Lieberman vai tirar votos de Gore no Sul do país, mas lá é território de Bush de qualquer modo”, analisou o senador Chuck Schumer, de Nova York. “Em Nova York a escolha de Lieberman causou euforia no eleitorado judaico, que pesará na balança”, diz Schumer. Ele poderia lembrar também que nenhum republicano chegou à Casa Branca sem vencer as eleições em Nova York e Califórnia. Gore, que já tem boa margem de vantagem na Califórnia, precisava garantir Nova York. Com Lieberman, ele tem boa chance de fazer isso. E os seis milhões de judeus do país – gente que, ao contrário de outras minorias, comparece em peso às urnas – certamente não vão deixar o gesto inédito de Gore passar despercebido.

 

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