O poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968), autor de clássicos como Estrela da manhã, Cinza das horas e Libertinagem, está ganhando uma especial e merecida homenagem: as suas crônicas, publicadas em jornais entre 1920 e 1931 e que jamais haviam sido reunidas em livro, chegam agora às livrarias, em belíssima edição, na coletânea Crônicas inéditas I (Cosacnaify, 440 págs, R$ 65). Consagrado pelos seus poemas, entre eles o popular Vou-me embora pra Pasárgada, Bandeira também foi um escritor ativo na imprensa, retratando a vida cultural brasileira, criticando acidamente os seus colegas modernistas (como Carlos Drummond de Andrade e Mario de Andrade) e, principalmente, escrevendo crônicas sociais. O livro recém-lançado reúne 113 textos selecionados por Júlio Castañon Guimarães (também autor do posfácio), alguns deles veiculados na mídia da época, sobretudo nos jornais A Província (Pernambuco), Diário Nacional (São Paulo) e O Dia (Rio de Janeiro). Uma segunda edição abrangendo as décadas de 30 e 40 também será lançada.

O estilo despretensioso e bem-humorado de descrever a sociedade brasileira do início do século passado é traduzido pelo próprio poeta em uma frase dita à revista Ariel, da qual era colaborador: “Aqui, o que faço é conversar fiado.” A sua escrita inteligente e culta rivalizava com a opinião que tinha de si próprio sobre a qualidade de sua prosa. Numa carta, de 1926, ao amigo jornalista Alcântara Machado, ele escreveu: “(…) me sinto como um cavaleiro desmontado (…) tive essa impressão comparando, envergonhado, as minhas notas à prosa tão ágil, tão moça! De você (…), do Gilberto Freyre. Como vocês escrevem bem! (…)”.

TRECHOS INÉDITOS
CINEMA

“Enquanto o teatro nacional está que morre-nãomorre, o nosso cinema está que nasce-não-nasce. Há dez anos as tentativas se renovam com empresas que penosamente se organizam, dão um film e morrem. (…) Essa fita nova, Barro humano (de Adhemar Gonzaga, foto), ainda é fraca (…). Porém, mesmo aí e em tudo o mais o progresso é evidente.”

MOSQUITO
No Rio de Janeiro, na década de 20, o serviço telefônico incluiu no seu clássico atendimento “Número, faz favor?”, a frase: “Guerra ao mosquito” devido ao surto de febre amarela. Sobre essa campanha, o cronista Manuel Bandeira escreveu:

“Não teria inconveniente se apenas divertisse pelo seu ridículo. Mas numa população enervada pelas demoras habituais de ligação telefônica, ela provoca a antipatia pelos caçadores desastrados de mosquitos, e o desejo insensato de pactuar com a febre amarela…”

TELEFONISTAS
“Nunca vi uma telefonista. Há quem diga que são mocinhas dignas de simpatia. Pode ser. A minha experiência pessoal me faz imaginar não uma criatura humana, gente como nós, mas um monstrozinho, em que entra muito de mulher, certamente, mas de mistura com outros elementos de essência implacável (…)”