Depois de duas semanas de protestos pelas principais cidades, o Brasil não é mais o mesmo. Como bem ilustra um dos cartazes levados às manifestações, os brasileiros deixaram a condição de deitados em berço esplêndido e a suposta apatia dos últimos vinte e poucos anos foi interrompida por gritos tão difusos quanto certeiros: querem o protagonismo da própria história. O movimento surpreendeu pelo tamanho, pela heterogeneidade e pela capilaridade. Em plena Copa das Confederações, a velha máxima de que o futebol é o ópio do povo perdeu validade diante dos protestos de junho. Mas como será o Brasil daqui para a frente? Bem, essa questão nem mesmo os mais competentes cientistas sociais ousam responder. Dos protestos, no entanto, podem ser decifrados uma série de recados e a certeza de que, se mudanças no cenário político nacional não acontecerem rapidamente, a rua irá aumentar o volume de seus gritos.

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RECADOS
Manifestações mostraram que os brasileiros querem ser protagonistas
da própria história e buscam uma nova forma de fazer política

O coro desafinado que se espalhou pelas maiores cidades do País mandou dizer que os brasileiros não aceitam mais a forma como vem sendo praticada a política. Querem uma nova ordem e ameaçam transformar as mensagens das ruas em verdade das urnas já nas eleições de 2014. “O grande elemento novo na política brasileira é o protagonismo da sociedade, que estava adormecida e acordou para questionar o modelo de democracia atual”, avalia Antônio Carlos Mazzeo, professor de ciências políticas na Unesp.

As alianças firmadas apenas em troca de alguns minutos na propaganda eleitoral, o fisiologismo em nome da governabilidade, o sobrepreço para saldar os compromissos de campanha e o corporativismo que promove a impunidade acabaram colocando todos os partidos políticos em um único saco e distanciaram definitivamente os representantes de seus representados. Os partidos, independentemente da coloração ideológica, precisarão correr contra o relógio para se adaptarem aos novos tempos. No Brasil, de agora em diante, fichas de filiação terão de deixar de ser apenas passaportes para se abocanhar uma maior participação no milionário e pouco transparente Fundo Partidário para passarem a ser realmente a identificação de alguém que se comprometa com os ideais da agremiação e participe da formulação de seus programas. A eleição do ano que vem será diferente. “Para as disputas de 2014, devemos esperar modelos como os dos EUA e da Europa, onde os partidos são elementos centrais das eleições, e não a figura dos políticos. Acredito que teremos campanhas menos marqueteiras e mais objetivas em suas propostas. Isso vai obrigar os partidos a desencadearem debates internos e oferecerem propostas mais claras”, afirma Mazzeo. “A legenda que não conseguir fazer isso estará a caminho do desaparecimento.”

O tempo para que os partidos criem mecanismos para voltar a dialogar com a sociedade é curto. A situação, no entanto, é pior para os titulares dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em todas as suas esferas. Os brados de junho foram retumbantes. Não mais será tolerado o descaso com o serviço público. Saúde, educação e segurança são temas concretos que nos últimos 20 anos se transformaram em retórica, em objeto de falsas promessas ou focos de desvio de recursos de todas as montas. As ruas avisaram: presidenta, governadores e prefeitos, coloquem as barbas de molho. “Tenho certeza de que os protestos geraram um momento de temor por parte dos três poderes. Eles precisam demonstrar rapidamente suas atuações”, diz o professor Manuel Sanchez, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Os políticos, obrigatoriamente, terão de se reformular. Quem não fizer isso será afastado”, conclui o professor. A presidenta, governadores e prefeitos serão cobrados pelos serviços públicos prestados, pela boa gestão dos impostos arrecadados e pelas escolhas feitas a cada momento da administração. No campo parlamentar, irão sobreviver aos novos tempos os que forem capazes de manter diálogo permanente com a sociedade e tiverem capacidade de transformar seus mandatos em correias transmissoras dos anseios da população, ao mesmo em que tratarem com transparência os compromissos assumidos antes e depois da eleição.

Nas ruas, jovens de diversas origens disseram com todas as letras que querem influir, apontar os caminhos. No discurso das últimas semanas, todos parecem ter captado os recados. A presidenta Dilma, o presidente do Congresso, governadores e prefeitos correram para atender às reivindicações. Projetos que estavam apodrecendo nas gavetas foram aprovados, aumentos de passagens de ônibus cancelados e até o Judiciário, por intermédio do STF, institutição de secular existência, tratou de, pela primeira vez, decretar a prisão de um deputado corrupto no exercício do mandato. Nenhuma autoridade, porém, trouxe a público uma proposta concreta que apontasse para a construção de um diálogo permanente com a sociedade. Ou seja, a rua conseguiu resultados, mas as mudanças pedidas são muito mais profundas e, enquanto elas não vierem, os berros continuarão. “Precisamos discutir a criação de novos mecanismos, como conselhos populares para debates e outros mecanismos institucionais para a participação da sociedade”, afirma o professor Mazzeo. “O atual modelo se esgotou e outro precisa ser construído. A sociedade quer aprofundar e radicalizar a democracia.”

Colaborou Natália Mestre
Foto: Marcelo Justo/Folhapress