O apresentador do "CQC" fala sobre brigas com colegas de profissão, censura e o livro que lançou com frases do presidente Lula

Ao longo de quase 30 anos de carreira, Marcelo Tristão Athayde de Souza construiu uma das histórias mais respeitáveis da televisão brasileira. Uma das mentes mais inventivas e produtivas do meio, foi um dos desbravadores do vídeo no País ao integrar o núcleo criativo da produtora Olhar Eletrônico, no início dos anos 80, ao lado de nomes como Fernando Meirelles. Fez história ao encarnar Ernesto Varella, repórter fictício capaz de mexer com os nervos de políticos históricos no tenso período de redemocratização do Brasil. Criou o “Rá-Tim-Bum” e transformou a forma como as crianças brasileiras consomem televisão. E, desde março de 2008, é a força-motriz do “CQC”, programa jornalístico-humorístico produzido pela TV Bandeirantes.

 

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"O Luciano (Huck) tentou qualificar o patrocínio no meu Twitter como algo ruim!
Logo ele, que poderia ser chamado de vendido, mas sei que não é"

Aos 50 anos, o paulista de Ituverava, casado e pai de três filhos, recebeu a reportagem de ISTOÉ no estúdio onde grava o “CQC”. Ao mesmo tempo que baixava na tela de seu smartphone o roteiro do programa que gravaria horas depois, encarou todo tipo de pergunta, mas não disse em quem votou na última eleição presidencial. Imerso na cultura digital – seu perfil no Twitter é um dos mais seguidos no Brasil –, diz que busca refúgio no hinduísmo, na meditação e na filosofia para enfrentar a rotina. “Voltaire – pseudônimo do iluminista François-Marie Arouet (1694-1778) – é o meu queridinho”, diz.

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“O presidente Lula tem um carisma parecido com o do Jânio, do Brizola,do Maluf.
Quando (o presidente)sai da sala, quem fica quer votar nele!

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 Assista abaixo aos vídeos da entrevista com o apresentador Marcelo Tas:

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Marcelo Tas fala sobre sua experiência com o público infantil no programa Rá-Tim-Bum, da TV Cultura
 

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Marcelo Tas fala dos bastidores do CQC e sobre sua experiência no comando do Video Show, da Globo
 

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Marcelo Tas fala sobre o episódio em que Luciano Huck criticou o fato do seu Twitter ser patrocinado pela Telefônica
 

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Apresentador do CQC comenta a política brasileira e fala sobre Lula e FHC

 

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Apresentador fala sobre censura no trabalho e sobre a polêmica do CQC gravado

ISTOÉ – Como você descobriu a linguagem do vídeo?
Marcelo Tas

Foi nos anos 80, em uma noite muito enfumaçada no Lira Paulistana, teatro que existia em São Paulo. Havia algumas tevês ligadas no meio da festa – algo que eu nunca tinha visto. Perguntei que canal era aquele e ouvi a palavrinha mágica: “Isto é vídeo.” Foi ali que o bichinho me pegou. Achei esquisitíssimo e logo descobri quem eram os caras que tinham feito aquilo – os diretores de cinema e tevê Fernando Meirelles, Paulo Morelli, Tonico Mello e Renato Barbieri.

ISTOÉ – E juntou-se a eles?
Marcelo Tas


Eu fazia teatro com o Antunes Filho, além de engenharia e comunicação na USP. O Fernando (Meirelles) queria fazer ficção, passou a ir aos ensaios da companhia e começamos a nos aproximar. Colocávamos a câmera no teto do estúdio, escrevíamos textos malucos e experimentávamos todo tipo de linguagem.

ISTOÉ – Como foi o nascimento do Ernesto Varella?
Marcelo Tas

Abriram uma porta na TV Gazeta e começamos a fazer televisão em 1983. Dizíamos que sabíamos fazer vídeo, mas não entendíamos nada de televisão. Tínhamos muita gente boa por trás das câmeras, mas os apresentadores eram um problema, poucos se atreviam. E aí começou a surgir aquele repórter. Um dia, fomos a uma coletiva do (cantor) Moraes Moreira, ele acreditou que eu era o Ernesto Varella e consegui entrevistá-lo. Quando vi, estava no Congresso Nacional.

ISTOÉ – Como foi trabalhar para o público infantil?
Marcelo Tas

Estava voltando ao Brasil depois de estudar cinema na New York University por dois anos. Voltei desempregado e com a minha mulher grávida. Aí, o Fernando (Meirelles) me chamou para criar a série "Rá-Tim-Bum". Minha primeira filha tinha mais ou menos um ano quando comecei a fazer o professor Tibúrcio. Naqueles tempos, só havia o padrão estabelecido pela Xuxa. Invertemos tudo com um programa não linear, sem apresentador fixo, fragmentado.

ISTOÉ – Você já passou por quase todas as redes de tevê do País. Como lida com os patrões?
Marcelo Tas

Eu sou um cara mais disciplinado do que a minha imagem pública. A coisa mais importante para mim é o momento de entrar em um veículo, a hora de entender minha função em um projeto e saber quais são os meus limites. Com isso resolvido, é sempre legal trabalhar. Falo da Globo, da Cultura, da “Folha de S. Paulo”, do “Estado de S. Paulo”, da revista “Trip”, da 89 FM, da Record, do SBT… Só da Globo, entrei e saí três vezes.

ISTOÉ – Não bateu um preconceito quando te convidaram para tocar uma franquia de um programa argentino?
Marcelo Tas


Preconceito zero! Conheço o “CQC” desde 1995. Costumo dizer aos argentinos que fiquei 15 anos esperando por eles. Acho genial que eles venham até aqui para nos mostrar como podemos ser ousados. Em 1986, fiz um programa chamado “O Mundo no Ar”, muito parecido com o “CQC”. Ficou no ar por um mês, na extinta TV Manchete.

ISTOÉ – Como é o Tas na chefia?
Marcelo Tas

Eu sou um doce (risos)… E eu não sou chefe. O legal do “CQC” é que a equipe toda participa do processo. Sinto-me muito confortável.

ISTOÉ – Há algum tipo de choque de egos na equipe do “CQC”?
Marcelo Tas

Por enquanto, não. Os meninos estão experimentando um canhão de popularidade. Claro que alguém dá uma entrevista e fala alguma bobagem, mas a gente resolve tudo no chinelo, na hora (risos). E o ego fica escondido diante do volume de trabalho.

ISTOÉ – Você já foi mais famoso?
Marcelo Tas

Talvez quando fui Cleópatra (risos)… Já apresentei o “Vídeo Show”, uma exposição absurda que vivi quando tinha 25 anos. O programa era antes do Chacrinha, no sábado, e dávamos mais audiência. Eu até me sentia culpado. Quanto à fama, nunca tive a coisa de estourar, de “Big Brother”. Sempre lutei muito. Nas ruas, o assédio é dividido entre os espectadores do “Rá-Tim-Bum” e do “CQC”.

ISTOÉ – Qual a importância que você dá ao dinheiro?
Marcelo Tas

Você é rico a partir do momento em que acha que tem dinheiro suficiente. Na segunda vez em que fui trabalhar na Globo, meu parceiro de mesa era o (ator e roteirista) Pedro Cardoso. Nosso salário equivalia a US$ 1.000, mais ou menos. Nós dois tínhamos acabado de ter nossos primeiros filhos e lembro de falarmos como aquele salário resolvia nossas vidas. Eu tinha um Fiat 147, mas estava trabalhando e me divertindo. Hoje, meu sonho de consumo é fazer uma viagem espacial, que custa US$ 20 milhões.

ISTOÉ – Você foi criticado por causa do patrocínio do seu perfil no Twitter…
Marcelo Tas

Eu não tenho o que esconder e não tenho rabo preso. Acho que, no caso do meu Twitter, o anunciante (Telefônica) percebeu antes de todo mundo que ali havia uma audiência. Somos cobaias da revolução digital e o caso como um todo foi muito didático. A polêmica foi parar até no “The Wall Street Journal”!

ISTOÉ – E a troca de farpas entre você e Luciano Huck, também no Twitter?
Marcelo Tas

A discussão ficou quente porque ele qualificou meu patrocínio como algo ruim! Logo quem, o apresentador que mais bota a cara em comercial de televisão! Alguém que eu poderia chamar de vendido, mas sei que não é. Eu disse: “Luciano, você é o nosso homem do mercado, como pode falar mal dele?” Mas colocamos tudo a limpo, somos amigos.

ISTOÉ – Em quem você votou na última eleição para presidente?
Marcelo Tas

Vou ter de pensar (ri, meio constrangido)… Sou muito anarquista, faço um jogo mental com a minha mulher. Se ela vai votar em um, digo que voto em outro. É sério. Não acredito nos partidos que estão aí, acho todos precaríssimos e não vejo alguém que me inspire. Fernando Henrique? Tá, acho um cara legal, mas não fico emocionado ao vê-lo da mesma forma que acontece quando encontro o João Gilberto. Já o (presidente) Lula tem um carisma parecido com o dos antigos políticos: Jânio (Quadros), (Leonel) Brizola, (Paulo) Maluf. Quando o presidente sai de uma sala, todo mundo que fica quer votar nele!

ISTOÉ – Já tem candidato para 2010?
Marcelo Tas

Não tenho e isso não é importante. Se alguém falar que eu voto no (José) Serra, digo que vou votar na Dilma (Rousseff). O meu guru é o Chacrinha: “Eu não vim para explicar, eu vim para confundir.”

ISTOÉ – Você já sofreu censura?
Marcelo Tas

Já esbarrei nela algumas vezes. E não chamo isso de censura. Já conheci os limites de todos os veículos em que trabalhei. Aconteceram vários casos. Já ouvi coisas como: “Olha, você disse algo que não pode provar.” Na Globo, desenvolvi um programa chamado “Fora do Ar”, cujo formato não foi assimilado por parte da direção da emissora. Ele foi rejeitado, não censurado. Foi uma decisão da empresa.

ISTOÉ – Quando o “CQC” deixou de ir para o ar ao vivo e passou a ser gravado, surgiu o boato de que vocês estavam sendo censurados…
Marcelo Tas

Esse é um bom exemplo. O que aconteceu? Foi o palavrão! Eu me equivoquei e usei um palavrão para designar a profissão de algumas meninas que iriam aparecer no programa. Errei, mas não tive intenção de ofender alguém. Pedi desculpas, tentei explicar, mas não deu certo. Errei uma segunda vez, tipo duas semanas depois, e aí a Band pediu que gravássemos o programa. É bom dizer que também tínhamos alguns problemas técnicos na transmissão ao vivo naqueles tempos.

ISTOÉ – Como surgiu o livro com frases do presidente Lula?
Marcelo Tas

O (editor) Marcelo Duarte jogou uma pasta cheia de frases do presidente no meu colo e perguntou: “Isso dá um livro?” Quando apareceu a ideia de reunir as frases em dez capítulos, divididos nas profissões que o presidente teria “exercido” em seus dois mandatos, fiquei muito feliz e mergulhei na história – “Nunca Antes na História deste País” foi lançado em novembro pela Panda Books.

ISTOÉ – O presidente leu a obra?
Marcelo Tas

ck por parte dele. O presidente recebeu o livro das mãos da Eleonora Pascoal, repórter da Band. Entreguei o primeiro exemplar que recebi para ela, que encontraria com ele em uma viagem a Londres. Nos cruzamos aqui no estacionamento da emissora, horas depois do primeiro exemplar chegar à minha casa. Quando ela viu o livro, pegou das minhas mãos e disse que daria ao Lula. Resumindo, minha primeira dedicatória foi para o presidente!

ISTOÉ – Você pensa em parar de trabalhar algum dia?
Marcelo Tas

Eu não comecei a trabalhar até hoje! Minha mãe me liga em um sábado à tarde, por exemplo, e diz: “Você está trabalhando?” E aí eu tenho a maior dificuldade para responder. Se estou lendo uma revista ou um livro em um sábado, é evidente que estou trabalhando. Por outro lado, eu consigo dormir uma hora e meia em uma segunda-feira à tarde, o dia do “CQC”. Tudo para aguentar os animais aqui no estúdio à noite.


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